quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Carro de fogo





Ninguém se sinta resguardado nos seus raciocínios
Ninguém creia não calcorrear placas tectónicas
Porque o sol fervilha como múltiplas Chernobils
E a chuva rega os campos e alimenta os vermes
A luz ilumina corpos bronzeados e sorrisos auto-complacentes
Como paira nos rostos carcomidos pelo cancro e pela peste
À Terra é indiferente se o sol nasce ou se se põe
Se acalenta amores-perfeitos ou ervas daninhas no seu halo
E o cordeiro que se sacrifica a contos e parábolas
Partilha os territórios com todos os predadores
Porque não ver inocência nos olhos da serpente
Que mais não faz que ser quem é naturalmente
O vento balouça o mundo à mercê das estações
E Deus transporta-nos no seu carro de fogo celestial


Imagem de: www.jesus8880.com.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Entrevista

Boa tarde. Quem estiver interessado, poderá ler uma entrevista minha no directório Whohub, em http://www.whohub.com/simoes. Abraços.

domingo, fevereiro 22, 2009

Os matadores de sensações (à indústria global)





Na arena triste, vasta, circular
Sobre a areia de ferrugem, num estertor
Repete-se o ritual triangular:
A besta, o público e o matador

Às voltas, numa fúria incontida
A besta perde as forças lentamente
Enquanto a gente aplaude adormecida
A perda do que é novo, contínua e dormente

É o sangue em jorros demasiados
A indústria dos sabores em prateleiras
As fórmulas dos olés banalizados
As imagens repetidas pelas feiras

E não há mais nada novo nas arenas
Onde a pop art aprisiona os corações
Em ritmos, sons, sabores, imagens plenas
Às mãos dos matadores de sensações


Imagem de: http://kintespace.com.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Pardaleco saltador





Pintassilgo, pintarroxo, pardaleco saltador
Chiu-perriu-chiu-perriu-chiu-chiu
De galho em galho, de flor em flor
Batendo as asas num rodopio
Tecendo os raios do sol pintor

Azul sobre verde, abaixo com os muros
Viva as crianças, viva os namorados
Vivam mil dias, dias imaturos
Contem-se histórias de heróis exaltados
Cantem as aves os feitos futuros

Pardal e quem disse não saberes cantar?
Quem te afirmou pequeno demais?
Quem tem tamanho para te julgar?
Simples pardal nos parques mundiais
Em humildes galhos sempre a viajar


Imagem de: www.treklens.com.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Café





Cadeiras de plástico verde em esplanadas
Na manhã estremunhada em grãos de supermercados
Como extensas plantações e o sol como um edredon
O sol derramado em gargantas no dia ainda planalto
Leves buracos negros de doce voracidade
O ralentado prazer do cosmos em expansão
Mesas verdes inclusive com letras bem desenhadas
Despertam serenidades soalheiras nas manhãs
De confortos rarefeitos em rebordos esmaltados
E sobe o café tão negro em mantras de cálida paz


Imagem de: www.photographyblog.com.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Letreiros





As casas atapetadas de letreiros
Vende-se, dizem, como páginas brancas
Que ninguém jamais quer realmente ler
Ao sol frio da manhã improvável
Que trabalho não daria decifrar
Estes códigos da crise universal
Quão melhor não é crer-se no limbo
Ignorar enciclopédias, documentários na TV
Os letreiros como sinais encriptados de apocalipses
Aos berros, profetas modernos a gritar
Em bairros pobres no espírito apagado
Perfurados por ondas hertzianas e SMS
E aos domingos vão às hortas em shopping centers
Em implosão total, solução final
Onde não chega a angústia soluçada dos letreiros


Imagem de: http://contrafactos.blogspot.com/.

Anyway the wind blows





Sopra com o vento
Veste com a estação
Voga com o rio
Pesca com o cardume
Voa com o bando
Caça com a matilha
O lar é onde se deitar


Imagem de: www.sxc.hu.

domingo, fevereiro 15, 2009

Poema súbito mesmo ao acordar





Oh não ter que acordar
Não ter que me vestir
Não ter que trabalhar
Aturar e engolir
Fumar e tossir
Feriados para os dias restantes
Dêem-me dias entediantes
De liberdade condicional


Imagem de: www.humordrive.com.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Sol de Fevereiro





O sol que brilha calado
Não é como o sol de Abril
É um sol que brilha enjaulado
Neste tempo amordaçado
No fundo deste covil

É um sol que anula as vidas
Entre névoas palavrosas
Promessas não resolvidas
Sombras de ideias perdidas
Cadáveres de flores caprichosas

O sol do tempo presente
É um forno crematório
Um sol sem chama, indiferente
Um sal sem mar, abrangente
Um fogo masturbatório


Imagem de: www.bahamasconference.org.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Parques infantis, casas amarelas





Casas amarelas, parques infantis
Candeeiros brancos e arredondados
Muros de granito cortando os relvados
Mulheres homogéneas movendo os quadris

Homens com ideias e rostos quadrados
Fumo de cigarros crescendo, ondeando
Chávenas vazias e algo queimando
Cinzeiros de bordos sujos, prateados

Vozes que nos ares se vão elevando
Música limada e industrial
Gadgets made in China, vida Oriental
Sob a luz mortiça das nuvens pairando

O tempo voando, largo e trivial
Na morna manhã de feições singelas
Os cães que passeiam presos pelas trelas
E um raio filtrado, longitudinal

Salas encerradas além das janelas
Sob o céu imóvel e os vastos telhados
Fumos, sons e tons, odores variados
Parques infantis, casas amarelas


Imagem de: http://momslife.com.

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Raios de sol após a chuva prolongada





Alguns querem dias prolongados
Alguns querem noite permanente
Eu olho e vejo os céus encastelados
E o sol a espreitar timidamente

A folha que ainda não se avista
A flor primaveril multicolor
A ave que, migrando, o céu conquista
O verde morno de pleno esplendor

E abro o meu sorriso a imaginar
Todo em antevisão já não distante
Sonhando no meu sono o acordar
Num dia claro, novo, rebrilhante


Imagem de: www.picchio-art.com.

domingo, fevereiro 08, 2009

A bordo do navio pirata





Debussy pelas ondas sonoras de um café
E afinal é uma cantora soft comercial
Por entre o burburinho ensurdecedor
Do fumo de cortar à faca
A bordo deste navio pirata
Os ratos, o capitão rato, o Voador
O fumo de um cigarro rebelde
Azul sobre o cinzento nacional
Igrejas caiadas de um branco-sujo velho
Os sinos rachados junto à base
As gotas invadem telhas quebradiças
De um vermelho derramado e esquecido
No verde seco da vegetação rasteira
Castelos arruinados na linha da fronteira
Quem traça mapas quadrados
Ao longo da savana oblonga
De crianças estropiadas pelas minas
A quem resta apenas carvão enfarruscado
E condutores buzinam a raiva caótica
Atrás de carros avariados pelas ruas
São estes os nossos guerreiros actuais
E o ruído é tanto, tão intenso
Preciso de vitaminas e aspirinas
Para rebentar com o silêncio


Imagem de: www.praetorius.nl.

sábado, fevereiro 07, 2009

Os relógios exactos





Os relógios exactos assinalam abstracções
Nos pulsos quentes, palpitantes
No fim de correias douradas
Nas paredes de salas carcomidas
Nas torres de igrejas caiadas
No sol a pino em Verões antigos
Em naves fugitivas, na escuridão das coisas
Os relógios assassinos que voam na eternidade
O Senhor Professor contando horas desde a Grande Guerra
Coberto de tiquetaques protectores e logo morto
Os relógios calados, a sala na penumbra
O Grande Relojoeiro mas pequeno electricista
Estranho como as estrelas cintilam por inércia
Como interruptores às mãos de crianças repetitivas
E as horas são obcecadas, as horas tão marteladas


Imagem de: wwp.clocks-n-watches.eu.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Os mortos recorrentes





Caem intercaladamente o granizo e o sol débil
E dói vagamente a cabeça como uma vida démodée
Olhando a gorda jovem vestida de rebeldia em pano grosso
Lembrei-me de Mama Cass Elliot e de todos os mortos
A lista sempre incompleta em gira-discos quebrados
Grafonolas poeirentas em antiquários descuidados
Jim, Janis, Jimi, Ian, Kurt em páginas amarelas do Além
Enquanto rolo num carro emprestado com a pior brecagem do mundo
Mama Cass fala-me de sonhos sempre à beira do abismo
Sonhos recorrentes como vinis riscados que nunca ninguém aprende
Roupagens de anacronia do tempo que não se entende
E a gorda jovem rebelde ignora os dias passados
Ninguém quer saber dos mortos nem da chuva nos telhados

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Tempo de crise





É tempo de chuva e crise nos becos dos desvalidos
Nas filas do desemprego, nas sopas dos despedidos
Caem gotas aos milhares no rés-do-chão das empresas
E oferecem-se côdeas de pão e bugigangas chinesas

Diz-se que é natural, que é o fluxo da economia
Que enche bolsos insolentes enquanto o mundo esvazia
E ladram os cães de fila nas casotas dos quintais
Lambem as mãos aos senhores e vigiam os portais

Em cujo lado de fora vão crescendo multidões
Que assistem no lado de dentro a festas, celebrações
Mas um dia sob o peso os portões hão-de ruir
E ai então dos cães de fila e dos donos a ganir


Imagem de: www.reviewjournal.com.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

A única benção





Um pássaro voa
Um cão saltita
Um garoto brinca
E tudo ocupa um lugar num universo
Onde não há galáxias em colisão
Um lugar exacto num momento fugidio
No presente já fragmentado em mil pedaços
Todos acreditam, todos ignoram
Por isso voam, brincam, saltitam
Por isso, porque não racionalizam momentos
São raios rebeldes na lógica dos sóis
O caçador também ignora por que o pássaro voa
O dono ignora por que saltita o cão
E o pai olha distraidamente o futuro em fuga
Sobre o mundo paira a incerteza do tempo
O espaço todo cravado de chagas insolúveis
O maciço incomportável que é o conhecer
Os dentes de leão esvoaçam com o vento caprichoso
Todos os caminhos conduzem a rotas circulares
E a única benção possível está em desconhecer

Domingo de chuva





Domingo de chuva intensa
Como um longo dia dos mortos
Descansam todos algures, tão longe
Longe da putrefacção húmida, pesada
Terrestre, vermínea, das múmias patéticas
Do café onde alguns clientes ainda fumam
E os empregados tragam fumaças à chuva
No fundo está quem já nada diz
Claro que não somos todos iguais
E a vida é uma constipação feroz
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