quarta-feira, maio 31, 2017

Pessoas a caminhar



As pessoas caminham dentro de redomas
Em quartos fechados, cheios de axiomas
(E nem saberão o que isso quer dizer;
Debatem consigo e julgam escolher)
Por ruas e estradas e outros roteiros
Por praias e vales, montes e outeiros
Percorrem distâncias em pontos finais
E embatem, por vezes, em outros mortais
"Desculpe", "desculpe", "filho da mãe"
"O que é que me disse? O filho de quem?"
Caminham em círculos e chocam com nada
E zangam-se e erguem o indicador em riste
Pois nada talvez seja tudo o que existe

Imagem de: Draycat.com



terça-feira, maio 30, 2017

O rio


Rio longo e largo vai serpenteando
Forte e emplumado no seu fogo brando
E é a gente quem grita e o sangue repica
Num campanário remoto, o deserto
Um portal incerto ao rumo entreaberto
E seguem-no os peixes pelo mar dentro
E bebem-se a sorte da vida e da morte
Por entre sargaços de fogo a dançar
E naus pelo caminho estrelas a pastar
E astros espelhados e nuvens opacas
E Adão em sofás, em camas e em macas
Num sonho bizarro de um deus persistente
O rio dilui todo o mundo de gente
Chegados ao cosmos onde arde a fornalha
Onde o céu se põe como uma mortalha
Cantam louvores e entregam-se ao nada
E o rio desenha no universo a estrada
Vazia e imensa em queda e esplendor
Fogo de artifício de um só espetador

Imagem de: Groupon

quarta-feira, maio 24, 2017

E afinal...

E afinal... acho que vou manter o tamanho da letra. Ou tentar o mesmo tamanho com fontes diferentes, mais pequenas. Ou tentar um tamanho menor, com fontes diferentes, maiores.
Isto porque fico com a estranha sensação de que, alterando o tamanho da fonte, se perde visualmente algo.
Não sei... Se quem me vai visitando desse opiniões, talvez soubesse um pouco mais...

Apaga as luzes





Apaga as luzes devagar


Que os terroristas se vão deitar
Em espessos leitos de um morto mar
Cilícios negros secos de sal
E os anarquistas vão-se deitar
E os revoltosos vão-se deitar
E os piratas vão-se deitar
E os gananciosos vão-se deitar
E os violentos vão-se deitar
E os mentirosos vão-se deitar
E os ébrios loucos vão-se deitar


Apaga-as delicadamente


Que as silvas rudes se vão deitar
Em cravações por montes antigos
Onde a alcateia chega para uivar
E as supernovas vão-se deitar
E as brisas mornas vão-se deitar
E as horas mortas vão-se deitar
E os oceanos vão-se deitar
E as avezinhas vão-se deitar
E as oliveiras vão-se deitar
E os próprios anjos vão-se deitar


Apaga


E logo fecharei as persianas

Imagem de: Survivopedia

terça-feira, maio 23, 2017

La Mula Rosa


A llanura estica alongamentos, fulva ronda
Ultrapassa o touro bravo e o trem dormente
Espraia-se junto à linha incandescente
Onde o sol dormita sobre a onda

Mas é uma miragem, putativa imagem
Quebra-se a largueza nas mãos do fascista
O papel abafa a voz do alquimista
E apouca na letra a nossa viagem

Quem lhes deu a ordem vendeu a mordaça
Forçou a passagem na casa dos fracos
Arrumou a Europa em sacos com cacos
E onde a luz passava já nada mais passa

Imagem de: My world in pastel, blog

segunda-feira, maio 22, 2017

Alteração no tamanho da fonte


Não foram as musas quem me encarregou de o fazer. Nem as fontes de Aganipe e Hipocrene perderam parte do seu caudal. Fui eu mesmo.
Como já devem ter notado, os caracteres do texto passam a surgir em letras menores do que o habitual. A razão é o facto de estar cansado de ver, em resultado da formatação, palavras fugirem-me para a linha seguinte como se se tratasse de um neobarroquismo. Que não é.
Abraços.

Lunar


Não tenho coisa nenhuma que hoje queira partilhar
Na impermanência do mundo sento-me e fico a pensar
Onde estive até agora, em que quark de algum lado
Em que degrau deslizei sem tombar estatelado
A quantos graus derreti no meio do caldo solar
A quantos sois viajei no cosmos esvaziado

Nada novo sob o sol, nada velho no luar
Tudo sem forma ou idade, tudo quieto a vibrar
Como um cântico perdido no meio de um livro inventado
Ou um quântico brunido por um tecelão fiado
A quantos graus ascendi no meio do caldo solar
Quantos sois imaginei neste caos imponderado

Imagem de: cnn.com


quarta-feira, maio 03, 2017

Fábrica abandonada



Ao passar na estrada, ensanduichado
Junto a uma velha usina de fantasmas
Todos emparedados, como em Douaumont,
Entre ruídos ausentes e grafittis
Penso que, em verdade, nada sei.
O que sou, o que sei, mas que diabo?
E deixo os conhecimentos todos
Inteiros, plenos, a quem julgar tê-los
Assim mesmo, séria e candidamente
Como a sabedoria dos arcanjos
Coelho a anunciar o fim das eras
Cristas a mostrar-se confiante
May a alertar para inimigos vagos
Um cantor a imitar Syd Barrett
Cinco décadas totais atrás da meta
E concentro-me na rádio e na condução.
Os dias repetem-se pelo mundo fora
Quer chova, faça sol ou vente
E em Douaumont pingam nas paredes gotas finas
Como o sangue que se esgota dos que já partiram
Quem os chorou? Uma mãe, pai, esposa, filhos
Amigos talvez, a pátria não
Que a pátria vive sempre à sombra das usinas
Amante exigente e superficial
E o que resta são muros vazios, condutas retorcidas
E a deslocalização das almas e das vidas

Fotografia Fábrica abandonada, de El Club Digital

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