sexta-feira, março 31, 2006

Tela de injustiça e confusão


Há quem não suporte a desonestidade,
A injustiça e a inverdade.
E a questão, inteira ou fragmentada,
É se a inverdade vem nos dicionários...
Mas se não vier, é só acrescentar,
De tão normal acrescentar e inverdadar,
Sendo a língua um movimento permanente.
Eu também não suporto a injustiça...
Mas qual? A tua? A minha? A deles? A delas?
Caso irresolúvel com garrafas de vinho tinto
E cigarrilhas de folha de tabaco verdadeira...
E, na verdade, tudo se resolve continuamente
Pelo movimento, nem do Homem nem de Deus.
Acho bem todo este movimento imparável,
Ainda que movimento em cima de movimento,
Como uma fraude interactiva polockiana.
Dizem-me que Pollock tinha os seus problemas...
Nós também. Que esplêndida obra de arte, a existência!

Poema de Joaquim Camarinha


quarta-feira, março 29, 2006

Bebop-bebop e dap-dee-dee


Invadem-nos os sons do jazz cantado,
E o piano agora,
Intromete-se o electro-pop do telemóvel,
E o André entra no ritmo da conversa,
E a vocalista diz que somewhere there's heaven,
E talvez já tenha a sua jazz band em heaven,
A place where nothing ever happens,
Não, nada jamais acontece em heaven,
Ou nunca ninguém voltou para contar,
Talvez seja, talvez, algum canto perdido
Algures entre New York e Washington
E toda a gente ama e odeia
As coisas americanas e as americanices,
Bebop, bebop, doo-bee-doo-doo,
Que diabo de idioma angélico é o da vocalista, afinal?
Acordei (uma vez mais) com uma dor de cabeça
E embora esse não seja um tema original
Não deixa, só por isso, de ser um clássico do
Boogie, boogie, boogie, boogie-dap-dee-da.
Como é que a bateria cabe inteira na minha cabeça?
Baterista, por favor, use as escovinhas
Que eu hei-de me ir deitar daqui a pouco...



Imagem de www.poster.net.

Poema de Joaquim Camarinha

Luz de estrela


Tudo morre no momento em que nasce...
É um acto suicida mandatório,
Um buraco negro inescapável,
A própria natureza das estrelas.
Na paz eterna do Senhor...
No entanto,
Já te amava antes sequer de termos nascido.
Poema de Joaquim Camarinha sobre inspiração de Jorge Simões

segunda-feira, março 27, 2006

Sweet sound of jazz


No tempo em que os animais falavam...
Wait! Gimme that sweet sound of jazz...
É um café, mais um café,
Litros a rodos, cafeína,
E um Balzac de trazer por casa.
Tão realistas, os roteiros da infância!
E os sopros vão soprando...
E os ritmos vão ritmando...
E o piano martelando...
Não havia Jazz Café na Paris balzaquiana...
É apenas um compasso da minha história
Num fade mais-que-perfeito,
Sweet sound of jazz...



Imagem de http://themes.ows.ch.

Poema de Joaquim Camarinha

Sim/Não


Diz-me. Não me digas.
Estou cansado de dizer...
Porque digo, no entanto,
Mais que não seja a escrever?
Fala. Não fales.
Estou cansado de falar...
Porque falo, no entanto,
Coisas da terra e do ar?
Olha. Não olhes.
Estou cansado de me olhar...
Vou quebrar o meu espelho
E nunca mais o colar.
Que a alma está no dizer...
Que a alma está no calar...
Ou talvez não haja alma,
Só o cansaço de pensar...



Imagem de www.varketta.com.

Poema de Joaquim Camarinha

Lua nova, lua cheia


As ruas voltam a estar secas,
As barragens descem ligeiramente,
As desilusões retomam níveis regulares.
Parece que nada se movimenta,
Ou será o meu cansaço a falar...
A lua do outro lado da Terra,
Ora nova, ora cheia...
E quem se importa com isso
Se é um facto natural?
Deixo a questão aos apaixonados,
Aos astrónomos, aos lunáticos...
Lua nova, lua cheia,
Crateras, tantas crateras,
Mais secas que as ruas secas,
Vazias, paradas, imóveis,
A poeira nos sentidos,
Não há queijo e vinho tinto
Na superfície lunar.



Imagem de www.belayslave.com.

Poema de Joaquim Camarinha

domingo, março 26, 2006

A lâmina romba


Cravo-te a lâmina no peito,
A lâmina romba, inocente,
Lâmina sem sequer ferrugem,
Imaculada, limpa, os olhos tão claros no gume,
Espelhos de algum satélite
Que perdeu a passagem do sol.
Falas-me agora no inverno
E levas-me ao tribunal de mim...
Estou inocente, senhor juiz!
O juíz vê-me tão longe!...
Porque imagina paisagens,
Nunca a realidade da sala.
Chama-me judaico-cristão.
Bate com o martelo na mesa.
Diz que assim não pode ser.
Tenho uma dor de cabeça
Que é uma lâmina na vida!...
Poema de Joaquim Camarinha

quarta-feira, março 22, 2006

Lusitânia


Pairam, sobre a Lusitânia inventada,
Porção triste e deprimida da Ibéria alegre,
Nuvens inabaláveis, sufocantes,
Secas de água e plenas de adjectivos,
Desertos imensos de esperança e primavera.
Reina uma paz podre na ruas e nos corredores,
Que adia, inclusive, todas as revoluções.
Mais vale a castração, a aceitação,
O ter-se pouco, nada,
Mais vale pouco, mais vale nada...
Nas sombras, perigosamente indefinidas,
As turbas incendeiam automóveis, urram incontroladas,
Lançam palavras de ordem! E porque será?
Nas sombras, perigosamente indefinidas,
Zunem cacetetes, balas sem rumo definido,
Surgem celas apertadas, marchas de mortos, valas comuns, pequenos Mussolinis justiceiros.
Acompanhamos tudo pela televisão...
Doenças terríveis, continuamente renovadas,
A luta da educação e o grande show,
O aliciamento e o pavor, que cocktail!
(Shaken but not stirred)
O perigo vem de fora, o outro é amarelo, mau,
É útil, cómodo, prático
E nada chega a ser um verdadeiro pogrom!
As turbas aguardam, entretanto,
Como aguardam os cães de guarda,
Como as indefinições eternas,
Como a própria espera eterna,
na paz dos senhores...



Imagem de http://tkdsinac.blig.ig.com.br.

Poema de Joaquim Camarinha

Olho aquela mulher...


Olho aquela mulher...
Imagino-a...
Falaram-me nela...
Já tirou dois peitos,
Tem a tez mortiça,
Olhos afundados,
E sorri, no entanto,
Quando se olha ao espelho
Num reflexo de vaidade!



Imagem de www.theraivenne.com.

Poema de Joaquim Camarinha

Soneto menor


Há, nas penitenciárias, detidos
Com liberdade maior do que eu,
Que fantasiam sobre os tempos idos
E sonham com a luz que se segue ao breu.

Almas do mal ou apenas perdidas...
Que perdição será maior que a minha?
Se deixam o sol entrar-lhes nas vidas
E eu finjo apenas, com a mão que escrevinha!

Viver no cinismo, perder a esperança
Das ilusões que são puro oxigénio
É a prisão maior de quem contradança.

E o génio, o próprio génio, é de alguns só
(Todos prisioneiros sem evasão)
E nem meu sequer, pó antes do pó...



Imagem de www.skidmore.edu.

Poema de Joaquim Camarinha

segunda-feira, março 20, 2006

Telefone


- Estou? Lamento acordá-lo, espero que estivesse a ter um pesadelo... É para lhe comunicar que a sua mulher esvaziou as vossas contas bancárias, espalhou boatos acerca de si e fugiu com um tipo endinheirado, que o seu filho está nas urgências do hospital com uma overdose e em coma alcoólico, que a sua filha engravidou, abortou, voltou a engravidar e está a posar para um site porno de grávidas, que o seu salário vai voltar a sofrer uma redução e o seu número de horas de trabalho um aumento, prevendo-se para breve o seu despedimento, que as suas análises apontam para a obrigatoriedade de uma dieta rigorosa durante o resto da vida e para a necessidade urgente de várias operações muito complicadas que o seu subsistema de saúde deixou ontem de comparticipar, que o seu automóvel foi roubado e lançado de uma ribanceira abaixo em chamas e que vai ser penhorado pelo fisco por se ter enganado numa vírgula quando preencheu o seu IRS.
- É só?
- Não. Falta acrescentar que todos o odeiam por ser um privilegiado.
- E os privilegiados?
- Ah! Esses não têm a mínima ideia de que existe. Desejo-lhe um óptimo dia!



Imagem original de www.peterme.com.

Poema de Joaquim Camarinha

sábado, março 18, 2006

Estética da memória que aqui está


Sento-me a uma mesa para escrever...
"Os artistas repetem-se, têm sempre o mesmo estilo".
Também eu me repito sem me repetir
E não entendo toda essa repetição de que alguém falou.
Vejo a chuva, o céu pesado, as poças de água,
Todos os que entram, saem e ficam,
Ouço o ruído da máquina do café,
Homens, mulheres e crianças, todos na prancha dos piratas,
Penso no jogo que agora tenho no PC,
De pé, sentados, todos prestes a saltar...
Posso usar pistolas virtuais. E os que saltam para os tubarões?
Escrevo palavras, pensamentos instantâneos
Como Nescafé, tudo instantâneo hoje em dia,
E tardo tanto a fazer tudo o que no fim não faço!...
Vejo-as entrar, vaidosas dos corpos, dos cabelos, também inseguras de vaidade,
Cheias de sexo e complicação nos genes ancestrais
E não sei. Nem as conheço a elas nem a mim.
Viva quem julga conhecer-se! E são tantas surpresas, sempre, sempre,
Mas pode sempre negar-se-lhes a importância
E fingir que tudo flui, como nestes versos,
Ou será isto uma massa quebrada de palavras?
A chávena esvaziada, o cigarro esmagado, a cinza...
Costumava querer que me espalhassem as cinzas nas montanhas...
É verdade que a vida é uma braseira, cor de cinza, cheiro de cinza,
Recordo o tempo em que nos reuníamos em volta da braseira,
Nas diluídas noites frias de uma aldeia do passado,
Quando os vivos se achavam realmente vivos
E os mortos ainda comiam, dormiam, conversavam...
Eis-nos de volta à estética da memória!
Há quem despreze a memória na poesia,
Quem exija as horas extraordinárias da palavra...
Não deixa de me parecer uma fábrica de claustrofobia,
Tanta maquinaria descontrolada produzindo letras, frases,
Palavras como fagulhas em plena Revolução Industrial:
Poderia trabalhar dias inteiros, e noites, sem cessar,
E os senhores nos clubes fumando charutos e tomando sherry...
Vejo a cinza dos charutos, tabaco puro esmagado, no fundo de cinzeiros, em clubes...
"Senhores, a refeição encontra-se servida na sala de troféus".
Que ruído insuportável no café onde me encontro!
Vai-se amalgamando inacreditavelmente dentro da cabeça
E junta-se em letras que produzem palavras, frases e poemas.

Poema de Joaquim Camarinha


sexta-feira, março 17, 2006

A prática da caridade


Se Fulano te ignora,
Cicrano te olha de esguelha,
Beltrano desvia o olhar
E a Chica atravessa a rua,
Dedica-lhes um poema!
A quantos fazes o mesmo?
Fulano sente-se mal amado.
Cicrano tem dívidas por pagar.
Beltrano não ganhou no loto.
E a Chica bebe às escondidas.
Vivem como fantasmas
E exprimem-se como rochedos...
Dedica-lhes um Padre Nosso,
Lamenta-os por terem insónias
E dorme o sono dos justos.



Imagem de http://members.rennlist.com.

Poema de Joaquim Camarinha

Do fim para o princípio


Um dia, acabamos todos a falar em antigamente...
Fumava-se,
Bebia-se,
Havia partidos e eleições,
Podia ser-se ateu...
Tempos difíceis! Bons tempos!
Faziam-se piqueniques,
Bebia-se absinto
E provocava-se as pessoas sérias
Com formas artísticas chocantes!
Organizava-se torneios,
Decepava-se o inimigo
E comia-se javali à mão!
Vestiam-se peles de animais,
Morria-se e vivia-se pela caça
E as fêmeas aguardavam pacientemente!
O tempo da terra.
O tempo da água.
O tempo da célula.
O não-tempo.
Quando cada dia é o primeiro último
E tudo ganha sentido na ausência de sentido...
Antigamente, onde quer que seja...
Tempos difíceis! Bons tempos!



Imagem de www.freemusic.ch.

Poema de Joaquim Camarinha

quinta-feira, março 16, 2006

Pseudo-gótico (a Ian Curtis e Peter Murphy)


Entre cercas corroídas, aguçadas,
Submersas na névoa rastejante como orvalho nocturno,
Vemos silhuetas, tantas, em congeladas poses rituais...
O anjo de olhar eternamente fixo no negrume entre os astros,
Nos rebanhos de nuvens que passam rápidas e indiferentes,
A jovem pálida derramando oceanos de lágrimas inúteis,
De olhar secreto, para sempre colado ao mármore branco, aos líquenes,
Os amantes contrariados a quem foi roubado o direito ao ódio mútuo,
Dançando, solenes, ao ritmo de estalidos ósseos sob o luar frio,
Flores murchas, heras descendentes, eras decadentes...
Chega um espírito jornalista e interroga um descarnado:
- O que tem a dizer-nos acerca da eternidade?
- Sinto-me bem. Muito bem. Não mudaria em nada a minha morte.
Vibra-lhe um sorriso impalpável nas fossas oculares, no maxilar descolado.
Alguns focos tremeluzem ao pulsar mecânico do gerador,
Câmaras focam uma campa rasa, uma cruz de madeira carcomida...
É lá que durmo. Sou a estrela e declino responder a todas as perguntas.



Imagem de www.witchtour.homestead.com.

Poema de Joaquim Camarinha

quarta-feira, março 15, 2006

Olhas e levas o garfo à boca...


Olhas.
Levas o garfo à boca.
Mastigas e engoles a salada.
Consultas brevemente o telemóvel.
Falas...
Parece que alguém tem neurónios de loura
E ris uma gargalhada - és morena.
Suspiras um ai meu Deus
E decides comer uma sobremesa.
Uma vez mais, olhas.
Sais para o balcão, alisando o rabo,
O belo rabo,
Um belo rabo entre rabos,
Gordos, magros, redondos, a direito,
E espreitas sobre o rabo em busca do efeito.
O efeito são palavras dispostas em verso
E nem sequer resultam do teu belo rabo.
Escuta-se todo o ruído do hipermercado
Ao fundo da tua sonora gargalhada.
Gostarias de um poema de amor
Mas encontraste o poeta errado...
Vá, come mais uma colher de gelatina vermelha
E escuta aproximadamente as palavras da tua amiga brasileira...



Imagem de www.riverchasechurch.com.

Poema de Joaquim Camarinha

É um universo em mutação!


Anda uma mente provocadora a afirmar que sou negro, cinzento e mais umas tonalidades, de que até gosto, por aí... Se me lesse a direito e não na transversal, problema eterno do escritor face a muitos dos seus leitores, saberia que se trata de uma generalização íntima por parte de quem não entendeu. O poema que hoje me apeteceu escrever não é negro. É azul, amarelo, vermelho, laranja e outras cores que a luz possa ter e adquirir. Não o escrevi para provar nada, como nunca faço aliás. É o que é, como eu sou o que sou.



Pego em pioneses e modelo atómos...
Fornos solares, água-mãe, terra-ama e o ar,
Fórmulas tão variadas, todas lá.
Sinto-me de regresso às aulas de físico-química,
O professor de lentes grossas a distribuir medíocres menos-menos-menos-menos,
As chamadas da Lapa, espelhos côncavos e convexos em queda livre...
De regresso, mas dentro delas, elas-eu sem mais
E o grande prazer de rodopiar átomos e moléculas
E sentir, mais do que saber, todas as fórmulas e raios de luz!
Faça o favor de indicar: como pode construir um oceano?
Simples, simples, simples, simples...
Junto agá dois a ó, somo-lhe eneá com cê-éle
E obtenho uma fossa das Marianas.
Belíssimos, todos os peixes com lampiões na cabeça!
Pouco importa se pretendem devorar-me...
Sou o grão-mestre dos pioneses!
Desmembro-os num só gesto,
Invento um vento
E, quem sabe, algum átomo
Com que crie um pionés.



Imagem de www.navo.hpc.mil.

Poema de Joaquim Camarinha

domingo, março 12, 2006

Manuscritos de Caeiro nos links


A quem possa interessar, a Biblioteca Nacional Digital colocou à disposição dos internautas o espólio conhecido do heterónimo pessoano Alberto Caeiro, sendo possível visualizar-se os manuscritos originais que deram origem a O Guardador de Rebanhos e restantes trabalhos de Caeiro.
Somando-se à obra completa de Pessoa e heterónimos, há tempos acessível a partir deste blog, podem agora encontrar o link para o site referido e investigar o quanto quiserem, ou não investigar se para tal não se sentirem vocacionados...


Imagem de www.cfh.ufsc.br.

Vlad Dracul morreu


Ao longo de planícies empapadas de vermelho opaco,
Entre montanhas e subindo até aos picos,
Escutam-se ainda gemidos distantes,
Ranger de dentes, espadas silvantes, rebentamentos na noite.
No vasto deserto marciano onde explodem as artérias
Escondem-se serpentes no subsolo congelado,
Doseando a peçonha e afiando os dentes.
Milhões de empalados, de crucificados,
Que nunca renascerão após três dias...
A culpa ancestral envenena os corações
Enquanto os carrascos se sabem inocentes.
Vlad Dracul morreu, uma vez mais,
Talvez envenenado pelo sangue corrupto cerebral...
Porque há, então, ainda e sempre, sombras nocturnas incorpóreas,
Demónios gargalhando ao olhar a cruz,
Inclusive nas avenidas mais iluminadas do planeta?



Imagem de www.uaeprison.com.

Poema de Joaquim Camarinha

quarta-feira, março 08, 2006

Queres que eu te seja sincera?


- Queres que eu te seja sincera?,
pergunta uma mulher em conversa.
Não, minha cara. Mente-me, engana-me,
Faz de mim gato-sapato,
Sorri da esperteza implacável,
Mente e mente com mestria,
Como a aranha, ciosa, fiando teias viscosas,
A artista tecendo palavras, sons, símbolos, ideias,
Talvez recebas, enfim, algum Nobel especial!
- Queres que eu te seja sincera?
Sinceridade para quê?
Poderias dizer disparates...
A mais profunda das interrogações é
Saber se és, quando perguntas, sincera.



Imagem de www.progressiveart.com.

Poema de Joaquim Camarinha

terça-feira, março 07, 2006

Darwinismo divino


No mar
Os peixes grandes engolem os pequenos.
No céu
As aves de rapina esquartejam passarinhos.
Em terra
Os animais rapaces devoram os indefesos.
E no mundo dos humanos,
Tão único, tão exclusivo,
Impera o canibalismo civilizado.
Dizem os paleontólogos
Que há muitos milhões de anos
Alguns mamíferos pequenos
Escaparam à extinção dos dinossauros...
Desculpe... Para que horas se prevê o próximo cometa?



Imagem de www.physics.unlv.edu (cometa Halley).

Poema de Joaquim Camarinha

segunda-feira, março 06, 2006

Palavra?

Corre por aí a ideia de que a função primeira da poesia deve ser trabalhar a palavra, ainda que em detrimento da alma. Vai daí, tomei a decisão de trabalhar a palavra... Hoje, a alma está nas vossas mãos!

Poema de Joaquim Camarinha

sexta-feira, março 03, 2006

Duas musetas conversam


Duas musetas de cabelos ondulados,
Unhas vermelhas, rebrilhantes,
Pestanas compridas, recurvadas,
Dez dedos anelares, sorrisos curriculares...
Encontram-se uma mesa à minha frente
E escuto-as porque sempre escuto música, ruído, gente.
Porque estão elas sempre uma mesa à minha frente?
Usam pêlos nos casacos, carteiras em cores de acasalamento,
Vestuário fluído como as palavras fluentes:
- Talvez esteja errada, talvez não tenha razão,
Mas, para mim, é uma questão de conveniências!
Já a trisavó lhe teria ensinado a história das conveniências...
Entrança o cabelo de madeixas entre os dedos.
Algures na terra, alguma flor vai murchar...
- Sabes, no outro dia vi uma blusa fantástica!
- Ai, sim? E estava a bom preço?



Imagem de www.jackswersie.com.

Poema de Joaquim Camarinha

quinta-feira, março 02, 2006

Hard rain


A chuva lava os terrenos.
A chuva lava as vidraças.
A chuva lava os telhados.
Lava as almas, inclusive.

A alma daquela que vive
Sentada na berma da estrada...
Dos ladrões, dos assassinos,
Dos traidores, dos viciados...

A chuva dilui os pecados.
Mas não dilui as memórias...
Mas não dilui as memórias...

A chuva lava-os a todos.
Só não lava a minha vida...
Só não lava a minha vida...



Imagem de www.pcgamehints.com.

Poema de Joaquim Camarinha

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