segunda-feira, janeiro 25, 2010

Matinal





Calem-se as conversas de café
A tosse exaurida da mesa do lado
O ruído da sucção anti-tabaco
Os gestos violentos dos irados
As chávenas tilintantes nas bandejas
As portas ruidosas a mexer
Os passos dos passantes apressados
E as considerações no vácuo imenso
Que trespassam a cinzentidão do dia

Quero só adormecer colado
Ao teu corpo confortável no colchão
Ao teu calor terno e apaixonado
Que me envolve de silêncio e salvação


Imagem de: http://i206.photobucket.com.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

Despersonalização elegíaca





Não escrevo elegias quando ceifa a morte
Campos ressequidos de almas por regar
A morte sem rosto, eu deixo-a passar
E ao cortejo roxo sob a chuva forte

Tangem os sinos na aldeia distante
Do meu existir noutros universos
Como são pinturas, temas e versos
E eu vejo para dentro o som calcinante

E vejo para dentro o tempo ilusório
E sinto que os mortos me são conhecidos
Mais que os seres viventes, tristes, esquecidos
Que vão sobrevivendo como num velório


Imagem de: www.treklens.com (fotografia de Christian Hansen).

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Janeiro





Grafittis num muro em branco e azul
Os tons acerados do dia gelado
Latas de tinta, nomes underground
As nuvens pairando, mais um inverno lento
Grafittis que hibernam, Alexandre pinta
E os pardais activos debicam na relva
Pedaços de vida, os pardais às voltas
E os tons tão agudos no muro cinzento
Alguém à janela sacudindo panos
A vida pairando nos grãos das toalhas
Debiquem, pardais, os restos dos dias
Os dias pequenos do mês de Janeiro
Deixem-mos pintar à luz do tinteiro


Imagem de: www.ghostclub.org.uk.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

Espaço-temporal





Recordo o passado como uma película
Uma projecção com a pianola ao fundo
A fita corroída pela chuva e a canícula
Numa sala obscura onde o mundo imita o mundo

Uns jazem quietos em camas de hospitais
Outros pairam soltos e os sinos a tinir
Escuto ecos de risos que não riem mais
Senão em palcos vagos com o público a dormir

O espaço e o tempo, ilusões maiores
Fingem existir na amálgama total
E confundem-se alegrias, apatias, dores
No amanhã morrente do ontem actual


Imagem de: http://mindchimes.net.
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