sexta-feira, março 22, 2019

The Blues


Arrancaram-me do ninho
Feito de ráfia, não mais
Deram-me leite daninho
Escarneceram dos meus pais
Deram-me a enxada para a mão
Numa terra calejada
E apedrejaram-me o chão
Com o sol a morder a passada
Entornaram vinho caro
No meu cabelo escorrido
E riram um riso avaro
De caviar pervertido
E era salgado o sabor
E acre o cheiro no ar
Naquele tempo voador
De lentidão a pairar
E deram-me a respirar
A plenos pulmões de medo
O incenso do seu olhar
O fumo do meu degredo
E roubaram-me a mulher
Pintaram-na em tons vermelhos
Jogaram-na a seu prazer
Moldaram-na de joelhos
E mataram-me os amigos
E o cão que me acompanhava
E para avivar castigos
A vida que não calava
Mas estes blues são assim
Poderia esquartejá-los
Vê-los tombar junto a mim
Tê-los sob os meus chinelos
Porém, sou homem honrado
Escuto a guitarra estridente
E sei que a luz em algum lado
Jorra em mim, neles é doente

Imagem de: Steemit

sexta-feira, março 01, 2019

Memória de uma tarde no parque


Um abraço ao José Pascoal que simpaticamente me convidou para participar na Gazeta De Poesia Inédita com um poema, obviamente, inédito. Agora que já está publicado e que já não é inédito, acrescento-o aqui.

Foi há muito, muito tempo
Tanto tempo já e o vento
Todo ausente, vento que não há
Nada sob o céu, nada salvo o sol
E um papagaio palrante na larga gaiola
E, num galho abstrato, algum rouxinol
Foi há tempo, nós os três, memória
Num pequeno parque citadino, a história
Tanto tempo já que a visão se turva
Inocentes que éramos, no reflexo
Verde, vibração em folhas tão tenras
Um beijo, um gelado, um caminho andado
As mãos dadas, firmes, livres, despojadas
Luminosidade plena em cada passada
Amor, alegria viva na tarde dourada
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