domingo, fevereiro 27, 2011

Ascese





Ninguém percorre a mesma estrada que ninguém, centímetro algum que seja ou não, alheios universos tão intoxicados da fugaz opinião. Quem se pode afirmar mais, menos ou sublinhar, justificar atirar os deserdados à boca borbulhante dos infernos, a transgressão que outros carregam e a transgressão que nunca é e vive algures em abstracções que crê concreta a imaginação? Espelho, espelho, espelho, espelhos, confusão errante e delirante de ilusão! Exclamações lançadas no vazio sempre que há decalque sobre os outros em folhas de papéis de lustro! Como pode alguém falar de alguém, como pode alguém falar de si, de onde nasce o adjectivo em graus até inovadores, a palavra, o pensamento, o termo de incomparação, a criação da luz, da escuridão, onde mora tudo o que seria, o que não é, o que calhou e não calhou, quem ensina a castigar e a falsa caridade descarnada dos exemplos? Porque cada ser é os seus templos... E se Deus existe é tudo, e se Deus existe é mudo ou ignora ou não ignora ou recusa a presença científica e real a quem suplica. O que é o pecado, o que é o que é, o que é a ascese? Pensar ou não pensar? Em cada ser a sua própria diocese?


Imagem de: www.churchyears.net (tela de Salvador Dali).

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

É preciso não pensar





Cala-te, pensamento, no neocortex frontal!
É preciso não pensar, porque pensar faz mal...
É preciso não rimar, é preciso não ritmar
Porque tudo o que tem forma só pode vir do pensar;
E é preciso conformar, deformar e confirmar.
Cala-te, rima teimosa, na minha cabeça a zoar!
O coração é uma bomba que um dia vem a parar
E não sei se há pensamento num mundo crepuscular
E não sei se há pensamento paramolecular...
É preciso não pensar, é preciso não pensar!
Uns sonham com fama e glória, não lhes importa a razão,
Uns levam tudo na frente, como manda o coração,
Uns são vítimas eternas de a vida não ser diversão,
Uns sugam pelas minorias em nome da revolução
Com o olhar faiscante de raiva e de negação
E outros vão na cantiga, na melopeia fingida
E tantos vivem do verbo, da pose fácil, da intriga,
E uns poucos trabalham no escuro para os satisfazer,
Salvaguardando as mentiras em resmas de tinta a correr...
Cala-te, coração, que um dia te irás calar:
É preciso não pensar, é preciso não pensar!


Imagem de: http://the-missing-piece.com.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Pleno dia e todos dormem (um sono sem sonhos)





Eis todos afogados em ópio transcendente
Penumbra do olhar que impede o olhar em frente
O ópio nacional que mata lentamente
Que esvazia de sonhos o coração e a mente
O coro de inverdades, chalaças, crimes frios
A relatividade descrente e aceitante
Memória de bactéria com peso de elefante
E o ópio torna o homem certeiro e hesitante
E torna-nos piores num Portugal errante
Cobrindo em maquilhagem tantos olhares vazios


Imagem de: www.portugal.intercambiocultural.com.br/.

Guerra santa contra os cigarros electrónicos





A guerra contra os cigarros clássicos, ditos "analógicos" começou por um desejo de proteger os chamados fumadores em segunda mão. É verdade que um cigarro tradicional, ainda que se fale na nicotina, um alcalóide como a tão apreciada cafeína e outros, causa combustão e liberta simultaneamente para os pulmões do fumador e para a atmosfera cerca de 400 mil substâncias, muitas delas potencialmente cancerígenas. Inclua-se cianeto de hidrogénio, amoníaco, alcatrão, monóxido de carbono e o próprio papel com a respectiva cola e fica-se com uma ideia. Mas, como sempre sucede com os grupos guerreiros, os lobbies anti-tabaco foram-se fortalecendo atitudinalmente e dificultando a vida, quase que se poderia dizer desonestamente, a todos os fumadores, transformando-os em párias e assassinos aos olhos da população sedenta de alguém a quem combater. Para quem já viveu tantos anos como eu e viu tudo o que vi, daria vontade de rir se não desse vontade de chorar - a atitude, a tendência destrutiva e autocrática, o gosto em esmagar o próximo, a necessidade de culpar os outros pelo que nos possa parecer correr mal.
Não tardou a que alguém pensasse num produto que não só salvaguardasse a saúde dos fumadores, como a de quem não suporta o cheiro do tabaco e entra em pânico só de pensar no dito cujo, após anos e anos de mentalização e propaganda. Foi assim que a China criou o cigarro electrónico ou e-cig, um produto que não contém substâncias cancerígenas, imita o gosto do tabaco e liberta para o ar mero vapor de água que rapidamente se desfaz. Em Portugal, é ainda bastante desconhecido.
Entretanto, diversos países têm vindo a proibir, limitar e contra-promover o uso dos e-cigs, enquanto os tradicionais continuam a ser livremente vendidos e a encher de impostos os sedentos cofres dos diferentes Estados. Chega-me à mente, apenas como exemplo, uma votação na Câmara de Nova Iorque que decidiu proibir os electrónicos por 125 votos contra zero - um maço de tabaco analógico, ainda que sadicamente proibido agora em parques e praias, chega facilmente aos 15 dólares! Não menciono as relações com as tabaqueiras para não especular... O que os motivará?
Eis uma lista de países que, não proibindo de modo algum os analógicos, decidiram mexer intensivamente nos electrónicos:
No Canadá, no México, na Austrália (sob o pretexto de a nicotina estar classificada como veneno pelo Departamento de Saúde), na Áustria (à espera da sua classificação como medicamento!), na Bélgica, no Brasil (por se tratar de tabaco!), na Dinamarca, no Dubai, na Noruega, em Singapura, na Tailândia, em Israel, em Hong Kong (por, como na Austrália, a nicotina ser classificada como veneno) e na Turquia, foram ilegalizados. Nos Estados Unidos, o uso é legal e a importação ilegal (espertos!). No Reino Unido, apesar de ainda legais, existe uma proposta para a sua proibição. Na Finlândia (menos espertos que os americanos) só são legais se vierem do exterior. Na Alemanha, alguns estados equiparam-no a um remédio, pelo que algumas alfândegas estão a impedir a sua entrada. Na Jordânia, apenas os cartuchos sem nicotina são legais, embora não me conste ter havido proibição dos narguilés. Nas Malásia, só podem ser vendidos em farmácias e com receita médica (os lobbies dos médicos e dos farmacêuticos devem ter-se imposto). Em Malta, são equiparados ao tabaco, pelo que não podem ser publicitados ou vaporizados em áreas públicas. Na Holanda, não podem ser publicitados. Na Nova Zelândia só podem ser importados e vendidos como medicamento. Finalmente, na Suíça, só e-cigs sem nicotina - pode-se adquirir um cigarro e até 40 cartuchos.
Isto não é poesia. Pois não. É a hipocrisia dos Estados, dos lobbies e das corporações que seguramente leva muita gente de volta aos cigarros tradicionais e aos seus malefícios tão profundamente alardeados...

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Vejo os mercados sempre tão nervosos...





Vejo os mercados sempre tão nervosos
E pergunto-me o que pensa o nosso Estado social...
Se tantos acham que os mouros são os benfiquistas,
Se tantos acham que Jesus prega em Lisboa,
Se os reis usaram estádios nas suas conquistas,
Se nunca a literacia portuguesa foi tão boa,
Se é pelos concursos que passeiam os famosos,
Se capital fantasma é dado aos poderosos,
Se capital fantasma cala os ignorantes,
Se nada é como dantes e não existe o dantes,
Somente as aparências e os subsídios derrapantes,
Se eu vejo os mercados sempre tão nervosos...
Porque é que ninguém lhes distribui alguns calmantes?


Imagem original de: www.theepochtimes.com.

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Composição de número imperfeitamente aleatório





Tudo metáforas e outras abstracções...
O periúdo, a mágnifica vácina inclusivé
Coisas incipientes porque insipientes
Universos homófonos extra-mim
Mas é na cabeça que as carrego, toda plena
Como que de chumbo ou o chumbo na cabeça
Se preferem, tudo o que não interessa
Se uns preferem ler flores e aves leves
E outros o dia-a-dia-a-dia-a-dia
Acusem-me de criar anti-poesia
(porque apetece. e quem explica a afirmação?)
Se desejam ignorar o cansaço físico-mental
Como um vírus de vacina lesta e fácil
O vírus da palavra indesejada
Que mata, morre e não representa nada


Imagem de: www.faculdadedigital.com.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Sinais



Diz-se que Deus fala por sinais...
De fumo, de trânsito, de língua gestual?
Passa o ano inteiro, a vida, a idade
E nem sinal...
Uma buzina de nevoeiro, uma publicidade,
Uma bandeira no final...
Diz-se também que Deus é o pai dos pais...
Com tanta reticência num texto tão pequeno,
Seja o universo real ou imaginário
Ignoro de que é feito tal vocabulário.
Esgota-se o horário nas arrastadeiras
Dos velhos em lentas quedas rotineiras
Sorvendo, gota a gota, a crença e o veneno...


Imagem de: www.johnlund.com.
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