domingo, setembro 17, 2006

Beleza tristeza


Não há um resquício de beleza no ennui,
No spleen, nessas banalidades
Que ocultam a desgraça da tristeza
E o que contém de doença terminal.
Bela é a flor e a funcionalidade,
Belos são o sol, a chuva, o campo e a cidade,
Belas são as coisas ditas não estéticas
E a beleza mora exclusivamente no âmago
Do que é inalcançável, como a felicidade...
Tristeza rima com infertilidade.

sexta-feira, setembro 15, 2006

O triunfo dos bovinos


A minha vida é como um cofre-forte arrombado.
Onde outrora se teciam fios de sol,
Flores de cores lisérgicas e harmonias,
Prados verdejantes além dos horizontes,
Guardo apenas sombras e sombras de sombras,
No meu cofre-forte triste e arrombado
Por mãos grossas, manipuladoras, poderosas.
Existo à míngua de um pequeno grão de esperança
Enquanto outros celeiros rebentam das minhas sementes
E manadas de bovinos pisoteiam os canteiros,
Esgotando as pastagens à luz do sol eléctrico.
A minha vida é como um cofre-forte arrombado,
Um mero adereço secundário em películas de desconhecidos.


Imagem de www.wsfcu.com.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Composição com gente a mais


Todos, reunidos em tantas partes,
Tantas partes que é inútil ler enciclopédias,
Tantas partes, reunidos, sempre prontos a falar,
Escancaram olhares, máscaras atentas ou são apenas loucos...
Todos os discursos são barbitúricos fragmentados.
Já não ouço mais ninguém, tenho os sentidos esmagados,
Ei-los todos tão atentos, tão entusiasmados,
Tanto, tantos, estimulantes para quê?
Tomo chávenas de café no meio da confusão
E eis-me sempre quebrantado, desejoso de dormir,
O sono dos justos ou injustos, o sono de qualquer modo...
Que importa que tipo de sono? Quem são eles para me julgar?


Imagem de http://nubenumeronueve.blogspot.com/ (tela de Margrete Heising - 1973).

quarta-feira, setembro 06, 2006

Na estrada para Vigo


Caixas e caixas sobre caixas, estátuas de betão,
Colunas de fogo, fumo, vapores em ascensão,
Movem-se mais caixas sobre rodas, passam, pesam,
Odores, ruídos, tremem folhas, vibra o alcatrão
E espásticas, eléctricas, tabuletas gritam nomes, iniciais,
Narram caos diurnos, escoam-se na noite, que organização!
E tantas, tantas caixas vociferam, são filmes em câmara rápida,
Enquanto eu sou somente o passageiro, o viajante numa pose estática.


Imagem original de www.danwei.org.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Os sopros os sopros...

BAÚ DE MEMÓRIAS


Os sopros, os sopros
Casam-se, separam-se, divorciam-se, reagrupam-se
Seguem caminhos separados e encontram-se em esquinas redondas
Em partituras, sepulturas, pias baptismais
Quebram como madeiras, fundem-se como metais
São pessoas, seres humanos plausíveis
Capazes de desafinações e harmonias incríveis
Os sopros uivam como animais
E acasalam com meiguice ou com sangue
Os sopros são sons básicos essenciais
Eles são o próprio big bang.


13 de Julho de 2004


Imagem de http://en.wikipedia.org.
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