sábado, março 18, 2006

Estética da memória que aqui está


Sento-me a uma mesa para escrever...
"Os artistas repetem-se, têm sempre o mesmo estilo".
Também eu me repito sem me repetir
E não entendo toda essa repetição de que alguém falou.
Vejo a chuva, o céu pesado, as poças de água,
Todos os que entram, saem e ficam,
Ouço o ruído da máquina do café,
Homens, mulheres e crianças, todos na prancha dos piratas,
Penso no jogo que agora tenho no PC,
De pé, sentados, todos prestes a saltar...
Posso usar pistolas virtuais. E os que saltam para os tubarões?
Escrevo palavras, pensamentos instantâneos
Como Nescafé, tudo instantâneo hoje em dia,
E tardo tanto a fazer tudo o que no fim não faço!...
Vejo-as entrar, vaidosas dos corpos, dos cabelos, também inseguras de vaidade,
Cheias de sexo e complicação nos genes ancestrais
E não sei. Nem as conheço a elas nem a mim.
Viva quem julga conhecer-se! E são tantas surpresas, sempre, sempre,
Mas pode sempre negar-se-lhes a importância
E fingir que tudo flui, como nestes versos,
Ou será isto uma massa quebrada de palavras?
A chávena esvaziada, o cigarro esmagado, a cinza...
Costumava querer que me espalhassem as cinzas nas montanhas...
É verdade que a vida é uma braseira, cor de cinza, cheiro de cinza,
Recordo o tempo em que nos reuníamos em volta da braseira,
Nas diluídas noites frias de uma aldeia do passado,
Quando os vivos se achavam realmente vivos
E os mortos ainda comiam, dormiam, conversavam...
Eis-nos de volta à estética da memória!
Há quem despreze a memória na poesia,
Quem exija as horas extraordinárias da palavra...
Não deixa de me parecer uma fábrica de claustrofobia,
Tanta maquinaria descontrolada produzindo letras, frases,
Palavras como fagulhas em plena Revolução Industrial:
Poderia trabalhar dias inteiros, e noites, sem cessar,
E os senhores nos clubes fumando charutos e tomando sherry...
Vejo a cinza dos charutos, tabaco puro esmagado, no fundo de cinzeiros, em clubes...
"Senhores, a refeição encontra-se servida na sala de troféus".
Que ruído insuportável no café onde me encontro!
Vai-se amalgamando inacreditavelmente dentro da cabeça
E junta-se em letras que produzem palavras, frases e poemas.

Poema de Joaquim Camarinha


1 Comments:

Blogger Lila Magritte said...

¿Será que todo viene inscrito en el grano del café que la máquina va traspasando boca a boca?

Una historia que vive en la Cafetería. Algo así como El café Urbano ultraexistencial.

Beijos.

4:02 da tarde  

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