As Compras de Natal
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Poema de Joaquim Camarinha
Poemas de Jorge Simões (Parte I: poemas de Joaquim Camarinha, heterónimo)
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Poema de Joaquim Camarinha
Eu - Noto na tua poesia uma certa animosidade contra a religião. Não acreditas em religião?
Joaquim Camarinha - Não acredito em organizações porque acho que em geral se perde o essencial para se ganhar o acessório.
Eu - Como assim?
JC - Precisamente isso. Vi coisas. E tenho dificuldade em acreditar.
Eu - Parece-te construtivo?
JC - A construção é algo de pessoal.
Eu - A construção de uma espiritualidade?
JC - E a sua expressão. Há tanta ou mais espiritualidade na construção de um objecto de arte ou em qualquer outra construção do que em mil rituais cujo significado se perdeu há muito e que alguma vez terão correspondido a necessidades sociais que já não existem.
Eu - Se pudesses, punhas um ponto final em todas as religiões?
JC - Não punha ponto final em nada. Não me diz respeito. Gosto de construir e deixo a destruição para quem a preferir.
Eu - Mas se encaras algum tipo de espiritualidade e criticas as religiões organizadas, como é que podes não assumir uma postura mais iconoclástica?
JC - O que eu assumo está na minha poesia. Enquanto não me forçam agressivamente não tenho que me defender agressivamente.
Eu - Mas acreditas ou não num Deus?
JC - A questão é se um Deus acredita em mim.
Eu - Pareces-me um pouco zangado...
JC - Pareço-te agressivo?
Eu - Eventualmente.
JC - Mas não sou. Muita gente parece ter um sério problema com a honestidade...
Eu - Não te achas agressivo em alguns dos teus poemas?
JC - A arte tem que ter uma certa força, sob pena de não transmitir emoções. E os poemas são construções formais do que se convencionou chamar arte.
Eu - Significa isso que não correspondem à realidade?
JC - Significa que correspondem a uma parte da realidade. E que o facto mais real da realidade é que se encontra em permanente mudança.
Eu - Não acreditas na permanência...
JC - Acredito numa permanência em que nada se repete jamais.
Eu - Ou seja, não acreditas na permanência do amor, da civilização, da cultura?
JC - Acredito que os caminhos são muitos, que o movimento é permanente e que nada é previsível.
Eu - Sentes-te feliz assim?
JC - A busca humana talvez não seja em direcção à felicidade, por ela ser subjectiva e fugaz por natureza, e sim em direcção ao conhecimento, a única coisa que, embora eventualmente dolorosa, nos pode aproximar da divindade.
Eu - Então acreditas em Deus...
JC - Acredito que talvez estejamos aqui a conversar. Em que é que acreditas?
Eu - Acredito que sou o entrevistador.
JC - Os papéis alteram-se facilmente.
Eu - Gostas de palavras...
JC - Desgosta-me a poesia que tem por base meramente a palavra e a sua exploração. Não me apetece ser muito metalinguístico. Gosto mais de imagens e procuro escrever de forma imagética. Aliás, escrevo naturalmente dessa forma.
Eu - E parece-te que isso agrada a todos?
JC - Nada nem ninguém agrada a todos. Em última instância, não se agrada a ninguém porque cada um sabe apenas interpretar-se a si mesmo, ainda que por intermédio de outros.
Eu - Existe, então, uma incomunicabilidade permanente?
JC - Tão permanente quanto possa ser e inerente às próprias limitações da linguagem.
Eu - Mas o mundo tem funcionado...
JC - Possivelmente mais por inércia. O universo está estruturado de forma a funcionar.
Eu - Então, alguém ou algo o estruturou...
JC - A conclusão parece-me apressada e mais movida pelo desejo de acreditar do que por qualquer tipo de lógica intocável.
Eu - Deus, a existir, é responsável por tudo o que acontece?
JC - Se Deus, a existir, não mantiver um nível razoável de responsabilidade, o universo encontrar-se-á em auto-gestão.
Eu - Diz-se que Deus nos dá liberdade para escolher.
JC - Diz-se muita coisa... Qual foi a última vez em que influenciaste de forma verdadeiramente decisiva o teu destino?
Eu - Parecem-me ideias algo deprimentes...
JC - Mas não são. Gosto de me divertir e divirto-me, inclusive, a escrever poesia. Mesmo quando eventualmente não parece. A poesia é, em parte, a minha maneira de fazer palavras cruzadas.
Eu - Não tens receio de que um dia leias o que disseste e venhas a achar que não sabias exactamente do que estavas a falar?
JC - Não tenho receio de nada. Tudo corresponde a um momento. A maior espiritualidade que pode existir é vivermos de acordo connosco mesmos em cada momento. Isso e não termos dores de cabeça, não estarmos enjoados, não termos que perder a calma, podermos beber uns copos e falar de coisas sérias e de disparates com quem nos ouça de livre vontade, tudo ao mesmo tempo. O resto é conversa.
The chilling winds in Avalon
Where greyness reigns from dusk till dawn
Conceal the night where vagabonds lurk
Beneath London's shadows and dreams at work
I dream the dream of Stonehenge's stones
Where magic's dust meets lover's bones
And ask thee now, ye faeries of old
Where true men lay and life gone cold
From mockingbirds I hear no sound
Apart from whines on sacred ground
Turned wasted land by fate, no faith
The time is all ours now to wait
While men-machines dictate the law
For ages new of nakedness raw.
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Poema de Joaquim Camarinha
Na minha rua temporária
(pleonasmo maior pois todas as ruas são temporárias)
Há um cão temporário,
Pequeno, quieto e amarelado,
Que nunca corre e nunca ladra
E que naturalmente me daria os bons dias
Se ao menos falasse ou ladrasse...
Nem ladra nem morde nem corre nem olha de soslaio
E deve ser uma alma velha canina...
Tenho sempre vontade de lhe sorrir
E acho que Buda, caso o encontrasse,
Lhe sorriria mais do que eu.
II
No meio da estrada estava uma pomba morta,
As asas abertas moviam-se-lhe com o passar dos automóveis...
Sobre a pomba pairava um céu sem nuvens
E no céu outras pombas voavam nas suas vidas,
Indiferentes à estrada e ao movimento, nas suas vidas,
Na plena comunhão do universo indiferente interligado.
No meio da estrada estava uma pomba morta
E a morte era nela serenidade plena,
Silêncio meditativo dos ascetas,
Indiferença fluida dos mármores brancos
Onde todas as palavras se calaram
Como os feixes de fotões no universo mais fundo.
III
Não quero pensar nem pensar em pensar
E lastimo ter que usar palavras para o dizer...
Porque as palavras são naturalmente cheias
E nelas não há nirvanas nem satoris
Mas somente o inferno do desassossego
Das palavras que se movem por ordem da natureza.
À noite, no deserto, todos os animais se silenciam,
A serpente, o escorpião, a aranha, o coiote, o mocho,
Silenciam-se mesmo os que piam, uivam e arranham,
Todos os solitários naturais sobre as dunas azuladas.
O próprio vento se silencia enfim
Para que se não escute sequer a voz de Deus...
Poema de Joaquim Camarinha
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Poema de Joaquim Camarinha
Gostas assim...
De quê precisamente?
Chupeta, biberão, roca, ursinho...
Gostas e fazes.
Nada deves a ninguém.
Sugando corações, pilhando almas!
Aproveita o tempo que te é dado
Porque não há recompensas, nem castigos, nem lições para aprender...
Tudo é totalmente vago.
Abraça, aperta bem quem amas
Como a piton abraça quem devora!
Depois, revitaliza-te,
Olhos cerrados, pálpebras brancas
Contra a alvura opiácea do linho fresco,
Inutilmente esperando que monstro algum te venha capturar durante o sono.
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Poema de Joaquim Camarinha