segunda-feira, novembro 07, 2005

Naturália


I



Na minha rua temporária
(pleonasmo maior pois todas as ruas são temporárias)
Há um cão temporário,
Pequeno, quieto e amarelado,
Que nunca corre e nunca ladra
E que naturalmente me daria os bons dias
Se ao menos falasse ou ladrasse...
Nem ladra nem morde nem corre nem olha de soslaio
E deve ser uma alma velha canina...
Tenho sempre vontade de lhe sorrir
E acho que Buda, caso o encontrasse,
Lhe sorriria mais do que eu.



II



No meio da estrada estava uma pomba morta,
As asas abertas moviam-se-lhe com o passar dos automóveis...
Sobre a pomba pairava um céu sem nuvens
E no céu outras pombas voavam nas suas vidas,
Indiferentes à estrada e ao movimento, nas suas vidas,
Na plena comunhão do universo indiferente interligado.
No meio da estrada estava uma pomba morta
E a morte era nela serenidade plena,
Silêncio meditativo dos ascetas,
Indiferença fluida dos mármores brancos
Onde todas as palavras se calaram
Como os feixes de fotões no universo mais fundo.



III



Não quero pensar nem pensar em pensar
E lastimo ter que usar palavras para o dizer...
Porque as palavras são naturalmente cheias
E nelas não há nirvanas nem satoris
Mas somente o inferno do desassossego
Das palavras que se movem por ordem da natureza.
À noite, no deserto, todos os animais se silenciam,
A serpente, o escorpião, a aranha, o coiote, o mocho,
Silenciam-se mesmo os que piam, uivam e arranham,
Todos os solitários naturais sobre as dunas azuladas.
O próprio vento se silencia enfim
Para que se não escute sequer a voz de Deus...

Poema de Joaquim Camarinha

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A tua poesia cala fundo - ........ Tambem já está nos favoritos e recebe um beijo grande de uma nova fã. :-)

9:02 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Foi/é tão bom chegar hoje a este cantinho e sentir a emoção desta leitura.
Foi/é tão bom ter este cantinho que recebe as minhas palavras, sem cobrar nada.
Hoje ficava por cá todo o dia à espera da sua companhia, sinto-me bem aqui.
Bem haja.
Recebeu os dois beijos? Ou foi outra vez roubado:):)

9:35 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Tantos dias sem companhia, já sinto saudade.
Espero que esteja tudo bem!
:)
11 de Novembro de 2005.

9:46 da manhã  
Blogger Jorge Simões said...

:)
Está, obrigado. Muto que fazer, que não se vive de poesia, muito menos na net.

11:56 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

:):)
Ainda bem que tudo está bem e tudo acaba bem quando se começa bem. Saiu este disparate porque fiquei feliz em ter uma resposta sua...fiquei com o tal sorriso que este cantinho tem o dom de me dar.
Concordo consigo não se vive da poesia, eu sei o que digo, pois o meu trabalho de certa forma leva-me a contactar com diversos autores e a realidade é essa.
Eu acredito que não se vive de poesia, mas é bom viver com poesia.
Este foi o poema que acabei de ler:

Algum dia te direi
onde começa o mar
que é onde as gaivotas habitam
te direi onde em setembro
a bruma se demora
nos meus olhos
e o silêncio se verte
sobre as vagas
te direi onde a minha sede
é onde se morre

Maria Albertina Mitelo, in "Entre Pássaros e o Mar"

Até amanhã, 1 ou 2 beijos?:)

1:51 da tarde  
Blogger Jorge Simões said...

Ultimamente, tenho andado a tomar conta da personalidade do outro. Por isso basta um. Muahahahahah! É assim. Inté.

4:34 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Do outro?
:)

9:51 da tarde  
Blogger Jorge Simões said...

Sim, sim, sim! O gajo pretencioso que meteu na cabeça que é o meu eu real!

2:30 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Oh!Eu sei o que isso é! Também tenho esse problema, a outra, a não Julinha, é péssima...dá imenso trabalho.

7:18 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

vejam mais em www.mariaalbertinamitelo.com

7:08 da tarde  

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