Quatro poemas de Joana Semedo
Joana Semedo é um heterónimo feminino, para já descontinuado por dificuldade (ou preguiça) em manter uma linha plausível e continuada dos seus poemas. Joana é eu e não é eu. É eu, porque, vá-se lá saber porquê, se sente influenciada fundamentalmente pela minha forma. Não é eu porque dela não transborda qualquer tipo de angústia perante a existência pesada de contradições, hipocrisias, egoísmos e interesses velados que o mundo dos homens nos força a carregar. Joana está além, ou aquém, de tudo isso; em todo o caso, noutro lado. E nem é absolutamente original, como eu imaginara... Ao que agora parece, também Fernando Pessoa, o pai de todos os heterónimos, chegou a criar um heterónimo feminino, do qual apenas se conhece, para já, uma carta. Mas vale por si e pela beleza dos seus poemas simples que seguidamente vos dou a conhecer...
Poema 1
As gaivotas pairam ao longo do Tejo
Como flocos leves de algodão em rama
Espalhados num presépio de aldeia.
Tocam as águas fluídas levemente
Com as suas patinhas como algarismos,
Contando as horas que passam, os dias,
Os anos todos levados para o mar alto.
Gritam, chamam-se mutuamente,
Trocam confidências em código animal
No seu voo planado como a vida ao sol.
30 de Junho de 2008
Poema 2
Sob o céu de Santo António,
Sob o olhar atento da lua,
A lua redonda, clara, fecunda,
O céu estrelado, veludo suave,
Perpassam estrelas cadentes,
Uma a uma, fogueteiros,
Sobre a multidão feliz.
Quero apanhar uma estrela,
Guardá-la numa algibeira,
Para afastar os maus sonhos
Do quarto do meu menino.
1 de Julho de 2008
Poema 3
Gosto de conversar
Sobre as nuvens que me cobrem
Como lençóis de flanela
Sobre as ruas que me cercam,
Sobre o rio que me leva
Até às ondas do mar,
Sobre os navios que rasgam
A crista dos meus pensamentos,
E os marinheiros na proa,
E os monstros no fim do mundo,
E as terras além da terra.
E é lá que eu desembarco
E deambulo entre os cheiros
Das cidades portuárias
Onde alma vai morar.
3 de Julho de 2008
Poema 4
Sonhei que sonhava acordada...
E os teus braços abraçantes
Eram cordames abertos
De antigos navios negreiros
No dia da libertação.
E o teu olhar fulminante
Era um raio que rasgava,
Súbito, inesperado,
O céu fundo de galáxias
Onde flui a via láctea.
E tudo era força, energia,
Como as ondas que construo
Na suavidade da vida,
Nos actos de criação.
7 de Julho de 2008
Imagem de: www.bugbog.com.