Boas festas!
Como é já costume aqui no Poesia para quem quiser, deixo-vos os meus votos de Boas Festas religiosas ou por religiosar, porque todos temos direito a festejar a tradição como muito bem entendermos e independentemente das nossas crenças. Votos também de um bom 2011, apesar da crise e da roubalheira que a tem vindo a provocar ao longo dos anos - pode ser que se dê um milagre! Abraços. Imagem de: www.flickr.com (foto de Howard Stanbury).
Os órfãos
Os órfãos congregam-se junto ao cordeiro
Em roubos e dádivas ritualizados
Em paixões e ódios tão amalgamados
Que esquecem a chuva e o nevoeiro
No entanto, lá fora tudo é intraduzível:
A nuvem que passa, se esvai e ressurge
A hora que tarda, o tempo que urge
O vento e o tufão e a brisa invisível
Sacrificam vidas em opacidades
Expiam pecados que não desejaram
Tudo o que disseram, tudo o que calaram
Tudo o que imolaram em efemeridades
No entanto, lá fora tudo é inominável:
O infinito escuro e incompreensível
A abstracção eterna da razão possível
As rochas e as plantas e a vida mutável
Os órfãos congregam-se no enjoo do incenso
À luz reprimida que cai dos vitrais
E gemem, por vezes, longe dos demais:
Senhor, Senhor, porque é que Te penso? Imagem de: http://inprofundo.blogspot.com/.
O reformado
Regressa ao local de outras vidas
Como um ladrão amador
Roubando imagens perdidas
No seu cérebro fingidor
E vai-se de mãos vazias
Cheias de falsos presentes
Caminhando em manhãs frias
Entre folhas transluzentes
Julga captar simpatias
Com um sorriso muito amável
E juventudes tardias
Num universo imutável
Tudo na sua existência
É uma rima cruzada
Feita de alegre impotência
E plenitude de nada Imagem de: http://static.flickr.com (foto de pedrosimoes7).
Os media
Os media são tudo e nada
(supõe-se que exista algo no meio)
Só eles como só eles e eles apenas
São o poder número já lhe perdi a conta
Em plena hipérbole mirabolante como eles só
Eles como apenas eles na geometria da TV
É Natal vamos todos dar as mãos
As crianças a sorrir e a cantora nem desliza
Somam-se-lhe tragédias e as crises imparáveis
Tantas geometrias antitéticas ao comando
E, em verdade, não sendo eu tudo nem nada
Quero apenas meditar como dentro da mandala
Escrever tudo o que penso e ainda o que não penso
E organizar festas plenas silenciosas na cabeça
Eu que não sou os media
Que não sou poder
Nem quero ser Imagem de: http://info.abril.com.br.
Guinchar moderno
Há um chiar de pneus constante
Abaixo, à direita de onde moro
Um chiar estranho e irritante
Como um intuir tonitruante
Em agudezas que perfeitamente ignoro
É coisa de automobilistas
Adultos e documentados
Conduzindo ligeiros e pesados
Tementes a uma lomba minimal
Como se fosse natural
Chiar e buzinar nas autopistas
Por vezes, quase creio um acidente
Daqueles com muitas tripas derramadas
Que inundam de sangue estas estradas
E afinal é só a lomba recorrente
É moderno e recorda-me o antigamente
Nós em bicletas vinte e quatro
Em saltos de risco adolescente
Em dias de sol iridescente
Nós em bicicletas vinte e quatro
Saltando a idade e os descampados
Pelos terrenos fora esburacados
É a modernidade guinchadora
Nervosa, falsamente lutadora
E a vida dos que moram nela agora
Imagem de: http://merrymerryquitecontrary.files.wordpress.com.
Geometrias
O horizonte é composto de objectos
Formas geométricas ascendendo aos céus
Certas vezes nus ou cobertos por véus
Ao longo de flores, cores e dejectos
As gentes acordam continuadamente
Tal como adormecem esquecimento adentro
E as formas num vórtex volteiam no centro
Onde tudo existe misteriosamente
É um mundo estranho se achado real
Se tido por lógico entre as fricções
Que riscam nos ares aves e aviões
Com as arestas vagas do bem e do mal Imagem de: http://designanduniverse.com.
Em directo do teclado
vejo os tortos e os mortos e os chorados aguardados inscientes maltratados e os doentes e os descrentes e os cansados deserdados todos os descamisados todos os amordaçados e os distantes delirantes e os abusadores gritantes os sóbrios os extravagantes vão cavando lentamente o seu futuro presente sete palmos sob a terra e a humidade dos vermes roendo nas epidermes o ciclo da alimentação forjando a vã sedução e a vaidade desgraçada dos que perderam a estrada e crêem que existe tudo e o grito espantoso do mudo e vejo e sinto nos outros o deus que abandona todos o demónio o manicómio aos rodos aos rodos aos rodos e vejo tão claramente eu bactéria desbocada eu vírus no meio de nada o que deve ser calado ignorado o que é pecado no altar dos mentirosos dos falsários dos leprosos e o corpo tão necrosado e não posso estar calado não posso ficar calado vejo tudo ao microscópio monocromático anedótico tristeza na gargalhada vejo o nada vejo o nada desafio a própria morte com tanta maior coragem quanto maior o temor exigido pela viagem forja de prazer e dor Imagem de: http://web.ncf.ca (foto de Oliver Gagliani).
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