sexta-feira, junho 26, 2020



Há um equilíbrio na vida
Como no corredor da morte
E mitos de elevado porte
Cobram taxas à partida

Quantos dos idos abraças?
O que entendes realmente?
Que moldas entre a torrente?
Que graça vês nas desgraças?

Que crenças têm valor?
Por quais vale a pena matar?
Por quais vale a pena salvar?
Que profetas são amor?

És pequenino, confessa
Vês coisas na natureza
No céu indiferente, beleza
E na beleza o que interessa

E quando as galáxias colidem
Quando o negrume te avista
Suplicas a Deus que exista
Onde os desejos coincidem

Imagem de: utmost.org

segunda-feira, junho 22, 2020

Escorpiões do deserto



Penso nos escorpiões do deserto
Entre o ocre seco do horizonte
E a rota da seda e Corto Maltese
E a reta da sede e a caça fugaz
E o céu a rebentar em tons assassinos
Como o fim dos tempos, explosão iminente
No vermelho-sangue e oásis de lama
Movem-se em silêncio sob as vastas dunas
Eles que se não escutam, nem no pensamento
São um momento estranho, contido e isolado
Que se alonga e arrasta para além das coisas
O dia seco e quente que os não aniquila
A noite aberta, escura, o gelo tão belo
A areia cegante, mole arquitetura
Até ao início, pelo meio, no fundo
Pingando veneno nos grãos espelhados
Um jipe estrangeiro morre na miragem
Metáfora alguma, literatura lata
Escorpiões ocultos sob o céu de prata

Imagem de: GoodFon.com

quarta-feira, junho 17, 2020

Quero apenas abraçar-te



Quero apenas abraçar-te
Como quem abraça o céu
Mais do que a lua e o sol
Mais que o mar das profundezas
Mais que o canto das florestas
Mais que o rumor do pensar
Mais do que o tempo a passar
Mais que o murmúrio do cosmos
Mais que a vida nos caminhos
Mais que as memórias expansíveis
Mais que o aroma das rosas
Mais do que o som trespassante
Mais que a estrela cintilante
Mais que a infância perdida
Mais que a obra e a criação
Mais que o encaixe da razão
Mais do que o riso a voar
Mais que o choro e a emoção
Mais que a corrida no espaço
Por onde as galáxias deslizam
Explodindo no teu olhar
Que o nosso olhar concebeu
Abraçar-te e esvoaçar-te

Imagem de: Pinterest

terça-feira, junho 16, 2020

Máscaras, plásticos e chuva



Fui cortar o cabelo de máscara posta
Gel à entrada, gel à saída, fora chovia
Uma chuva leve e pouco observável
Feita de plástico a cobrir os mares
Nem Cristo nas nuvens que o vento arrastava
Nem Satã oculto no fundo das mentes
Ninguém observava os fios da chuva
Ou por não haver nada a observar
Ou por não haver ninguém a olhar
Luta, combate contra o teu irmão
Sente que é único o teu coração
Que segues um rumo bom e verdadeiro
E cobre-o de lama espessa e molhada
Nesta terra velha, igual, mascarada
Que julgas ser tua e servir um fim
De máscara posta, de máscara imposta
Grita, exclama, apita, desabafa, mata
És um deus no caos, perdido e sedento
Quem corta o cabelo, corta o pensamento

Imagem de: Wix.com

sábado, junho 06, 2020

Alma dormente



O cosmos aparenta congruência
Mesmo no monólogo negrume
E até com o encenador ausente
E o autor longe e indolente
Os atores julgam-se no cume
Do Parnasso, face à assistência

Escuta-se o vendaval estelar
E crê-se ser uma conversa
Um qualquer dialogar coeso
Um linguajar em nada preso
Uma troca larga e extroversa
Um sentido em tudo a combinar

Mas doi-me o complexo neuronal
Como a um escritor todo embrenhado
Numa escrita entaramelada
De que não entende quase nada
Como a um orador envergonhado
Do seu discurso irracional

As nuvens, no azul sem fim
São belas, o vento a dançar
É belo, o sol a rasar figuras
É belo, cumes e planuras
São belos, até o pensar
E o dizer não, talvez e sim

Mas doi-me o que chamam mente
Por tudo desconhecer
Por não saber conversar
Por não saber como estar
Por não saber como ser
Por ter a alma dormente



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