Cansaço
Eis-me cansado de me sentir cansado
Mas, um momento, essa ideia não é minha!
Pertence, acho, a todos os cansados
E ainda ao Dr. House na Fox TV.
Ponho-me, então, a observar as aparências...
Há de tudo e tudo é necessário
(Mas penso também já ter escrito algo assim):
O bom e o mau, o claro e o escuro, o triste e o alegre
E já ninguém se recorda exactamente
Porque a memória é uma criativa errante
Entre canteiros de flores e muros grafitados.
Ninguém sabe o que nada significa,
Tudo são palavras caras e todos são iguais
Em subdivisões minuciosas de números inventados.
Talvez precise de verdade e de aspirina
Ou tenha que dançar um tango argentino
Neste país pequenino, pequenino, pequenino... Imagem de: http://24.media.tumblr.com.
Cães amarelos numa reserva (trova do tempo que passa)
I
Ninguém conhece o paradeiro dos blindados
Mas o que importa o paradeiro dos blindados
Se os líderes falam coisas repetidas
E as esposas compram galos de Barcelos
Se se passeia entre a Finlândia e Portugal
E alguém se irrita por momentos, manchas negras
E a lei contém ninguém em pose erecta
E tudo segue sempre em linha recta
Um dia de feriado para Lisboa
E o Papa aceita a bem as camisinhas?
E algures em grutas no Afeganistão
Alguém vive em ruído e confusão...
II
Há, atrás da cerca, junto a onde moro
Uma família que ocupa uma reserva
São cães amarelos, todos eles, uma família
Encharcados pela chuva, cheiro a cão ao sol
Cães amarelos, silenciosos, em matilha
Sem coleira nem identificação
Ausentes do surgir de uma construção
Cães cuja presença toda a gente ignora
Os derradeiros índios pela rua fora... Imagem de: www.indiashots.com.
Os sinos da minha aldeia
Os sinos da minha aldeia
Que nem mesmo aldeia é
Badalam uma melopeia
À Nossa Senhora da Fé
Badalam-na a cada hora
Com exactidão aparente
Nos dias frios de agora
Como nos de antigamente
Fazem-no com devoção
Num simples ritmo binário
Onomatopaicamente dlão
No meu cérebro imaginário
Nas manhãs de sol a pino
Enchem os ares com a canção
À Senhora e ao Menino
Em extensa repetição
Nas manhãs enevoadas
Soam largos, repartidos
Cruzando as vidas cansadas
E embatendo nos ouvidos
E os aldeões que o não são
Bocejam como o universo
Que é o deus de cada estação
E a Palavra em cada verso Imagem de: www.whitbourne.org.uk.
De novo as folhagens nas calçadas
De novo as folhagens nas calçadas
Vermelhas, amarelas, ressequidas
E as vidas e as vidas e as vidas
Em dias de sol baixo continuadas
Os ruídos e as luzes acerados
Misturam-se em conversas de café
E eu sinto o céu azul enquanto o é
E ouço o seu bocejo nos telhados
De novo as folhagens espalhadas
E a crise, o Natal, a Páscoa, o Verão
Em sequência como na televisão
Tudo em imagens grandes inventadas Imagem de: http://images.nationalgeographic.com.
Pleno dia e todos dormem nº 2
Dormem nas ruas, nas estradas, nas calçadas
Fora das portas abertas e fechadas
Zangados com o mundo e não consigo
Achando em cada esquina um inimigo
Dormem nos seus postos de trabalho
Quando fingem a auto-estrada num atalho
Quando exigem impor-se aos demais
E se escapam por frinchas informais
E quando roubam, impunes, sorridentes
Longe do local do crime, sempre ausentes
Dormem os seus sonos tão caninos
Sonâmbulos em sonos pequeninos
Pleno dia e todos dormem ante a morte
E escutar o seu zumbido é a minha sorte Imagem de: http://happytailsspa.com.
advertising Counter