Díptico marítimo
Mar Morto
Vasta imensidão infinda navega o navio deserto de que sou o capitão. Só eu, sem tripulação. A bombordo e a estibordo, nem uma gaivota, um albatroz, nem de sereias a voz. Imenso, infindo, imóvel o oceano, liso e plano, uma mortalha, imensurável fornalha, os raios do sol a cortar, o meu navio navega sem nunca sair do lugar. Bem no fundo de má esperança, colado ao navio imoto, onde nunca a luz alcança, prepara-se um maremoto. E fervilha que fervilha, nunca atinge a superfície, a ilha que me aprisiona. E navego à toa, à tona, sem nunca sair do lugar, sem nunca encontrar um porto, as planuras do mar morto.
Maia, 18 de Abril de 2005
Mar Revolto
Que fazes tu, capitão, mergulhado em solidão, na proa do teu navio? Observo a imensidão, as ondas em turbilhão, observo-as horas a fio. E que vês tu, capitão, mergulhado em solidão, da proa do teu navio? Morreu-me a tripulação, como morre a emoção, e observo agora o vazio. Vejo as gaivotas caírem, o sol frio do Inverno, e ouço as sereias carpirem a morte em movimento eterno. E embora não veja nada, pois tenho a visão turvada pelas ondas alterosas, sei que por cada gaivota pelos ventos derrubada, pelas forças poderosas, dez outras virão surgindo, o seu caminho abrindo sobre as marés caprichosas. E por elas me oriento, empurrado pelo vento. Onde há gaivotas há terra e os mistérios que ela encerra e depois de cada Inverno tem que haver a primavera.
Maia, 29 de Abril de 2005