segunda-feira, junho 30, 2008

Díptico marítimo

Baú de Memórias




Mar Morto




Vasta imensidão infinda navega o navio deserto de que sou o capitão. Só eu, sem tripulação. A bombordo e a estibordo, nem uma gaivota, um albatroz, nem de sereias a voz. Imenso, infindo, imóvel o oceano, liso e plano, uma mortalha, imensurável fornalha, os raios do sol a cortar, o meu navio navega sem nunca sair do lugar. Bem no fundo de má esperança, colado ao navio imoto, onde nunca a luz alcança, prepara-se um maremoto. E fervilha que fervilha, nunca atinge a superfície, a ilha que me aprisiona. E navego à toa, à tona, sem nunca sair do lugar, sem nunca encontrar um porto, as planuras do mar morto.



Maia, 18 de Abril de 2005



Mar Revolto



Que fazes tu, capitão, mergulhado em solidão, na proa do teu navio? Observo a imensidão, as ondas em turbilhão, observo-as horas a fio. E que vês tu, capitão, mergulhado em solidão, da proa do teu navio? Morreu-me a tripulação, como morre a emoção, e observo agora o vazio. Vejo as gaivotas caírem, o sol frio do Inverno, e ouço as sereias carpirem a morte em movimento eterno. E embora não veja nada, pois tenho a visão turvada pelas ondas alterosas, sei que por cada gaivota pelos ventos derrubada, pelas forças poderosas, dez outras virão surgindo, o seu caminho abrindo sobre as marés caprichosas. E por elas me oriento, empurrado pelo vento. Onde há gaivotas há terra e os mistérios que ela encerra e depois de cada Inverno tem que haver a primavera.



Maia, 29 de Abril de 2005

segunda-feira, junho 16, 2008

Magazine matinal





What do you think of the Portuguese public
Pergunta a apresentadora morena estridente
O que pensa do público português
Ao malabarista britânico de cabelo alucinado
No magazine matinal da RTP
E um milhão de donas de casa arregala o olhar
Ouvem-no exclamar enfurecido
I hate the Portuguese public
They're the worst public in the world
Cristiano Ronaldo sucks big time
And Scolari is a bloody fascist pig
Claro mas que mais haveria de dizer
A apresentadora ri todos batem palmas
Ele começa a dedilhar o ukelele quase cavaquinho
E principia um curto show de moda estival


Imagem de: www.pembers.freeserve.co.uk.

segunda-feira, junho 02, 2008

Canta, canta rouxinol





Canta, canta rouxinol
Enquanto a vida sorri
Enquanto brilha esse sol
Esse sol que eu nunca vi

Face à tua melodia
Entoada com prazer
Agita-se a luz do dia
E o mundo inteiro a viver

Tentei cantar e calei
Engasguei-me nos meus fados
Sonhei a fama e rasguei
Os meus versos desgarrados

Canta, canta passarinho
Com a plumagem a brilhar
Que eu canto a vida sozinho
Sem ninguém para me escutar



Imagem de: www.wheatear.pwp.blueyonder.co.uk.

Pequena nota aos atentos à forma: Conforme terão reparado, esta é uma redondilha maior. Alguns de vós terão chegado ao último verso (Sem ninguém para me escutar) e terão embicado no para. Terão contado as sílabas assim: pa-ra. O que vai dar em oito sílabas. Errado. Na sequência do ritmo inculcado pelo conjunto dos versos anteriores e contando rapidamente as sílabas temos pra como resultado. Só que, como me soa mal ver pra escrito - e ainda pior p'ra, como alguns escreveriam - opto pela palavra que podemos encontrar no dicionário: para. Para ser lida com fluidez: pra. Acho que já terei feito opções semelhantes noutros poemas em que a forma é importante e perfeitamente definida. Em qualquer das situações e a escolher entre diferentes opções, tem que ganhar o bom senso.

advertising
advertising Counter