terça-feira, dezembro 31, 2019

Welcome to the twenties


Os meus pais nasceram algures nos loucos anos
Entre habitações vetustas e espessos cortinados
Hemingway bebia absinto em esplanadas de Paris
E as raparigas dançavam o Charleston e o Foxtrot
Há parvos que dizem que Hemingway arruinou a escrita
E os que dizem que gostos não são para discutir, mas eu discuto
E digo: são parvos, cretinos, arrogantes, ignorantes
Que a palavra é um mero fio solto no tear do tempo
Inclemente objeto de aço inauditamente fino
Lúgubres Cloto, Láquesis e Átropos, imparáveis
Sobre o progresso, a economia, luxo, miséria, automatização
O vrrum-vrrum dos futuristas comunistas e fascistas
A máquina, intensa e densa máquina moedeira
Na verdade, alguma, intenso caos e chinfrineira
E o que sabiam os bebés dos anos loucos desbotados
E o que sabem todos, se quiserem, entre tais emaranhados
Nada sabem e eu sei bem que o não sabem
E o que sei, que inútil é julgar saber nos anos vinte
Tudo em simultâneo, fundamente vivo e morto
Gargalhadas ecoando, tão perdidas no etéreo
No afundamento eterno das certezas mais que vagas
E nada recupero, nem o que nunca eu existi
Vrrum-vrrum e bang e crash e o silêncio no final
Que lindo é o nosso mundo, que obra de relojoeiro
Que lindo é e nada recupero, nunca nada por inteiro
O tempo passa e nada existe ou sei lá bem
Nada salvo, nada salvo, nada salvo, nem ninguém
E circularizo-me em memórias todas distorcidas
Os meus pais, Hemingway, o Charleston, o Foxtrot
As guerras, o progresso, a economia, o globalismo
E, com palavras, não os sei vingar, nunca salvar
Só escrevo e escrevo e escrevo algum garatujar

Pintura de: Almada Negreiros

segunda-feira, dezembro 30, 2019

Bom Natal (atrasado) e boa década



Parece que me esqueci de vos deixar os meus votos de um Bom Natal (ou, para os politicamente corretos, apenas Boas Festas).
Para compensar, deixo-vos os meus sinceros desejos de boas entradas nos loucos (loucos, sim) anos 20. E que nos revejamos à entrada da década de 30.

Imagem de: Vintage and Geek

quinta-feira, dezembro 12, 2019

O dia deu em chuvoso, chuvoso, chuvoso...


O dia deu em chuvoso
Mesmo de água, pluvioso
Desde as horas do negrume
Até às horas do lume
Pleno de chuva encharcada
Escondendo os buracos na estrada
Sem símbolos, nem rodoviários
Nem azuis imaginários
Afogando as árvores nuas
E os cães e os gatos nas ruas
Com o pêlo todo a pingar
E, das aves, nem um piar
E o dia deu em chuvoso
Quase inverno e rigoroso

Imagem de: Fiji Sun
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