quinta-feira, abril 27, 2017

Migrações 2


Portugal esvazia-se como um caixão do avesso
Seremos, brevemente, todos velhos nos alpendres
Mordidos dos cães vadios, magros e possuídos
Profundamente isolados entre os poços celulares 
Magros, igualmente nós, os sonhos a enferrujar
Memórias da meninice, dos nossos meninos também
Perdidos eternamente além das ondas de areia
Como lendas rarefeitas de triângulos no oceano
Mensagens inentendíveis de algum deus omniausente
Very typical, sem dúvida, utterly archetypical
E para os bolsos gananciosos que assim nos vão empurrando
Ficam os velhos e os cães e toda a demência a seu mando

Foto de José Rodrigues in blog Farrapos de Memória

sexta-feira, abril 21, 2017

Os sonhadores do tempo



Certas pessoas sonham com o passado
Como quem sonha com manchas de cor
E eu sonho a dormir num mundo indolor
E vivo o presente bastante acordado

Não como saudade ou bebo nostalgia
Nem vejo fantasmas e auras fluidas
E sei que as neblinas das manhãs compridas
Nem exclamam respostas nem calam o dia

Hoje foi ontem e amanhã também
Quem chora ou ri ou sente autoimportância
É parte da sua pequena inconstância
Deus em causa própria, bebé de uma mãe

E é triste no riso e alegre no esgar
Que nunca se explica porque é igualmente
Manchas de cor, tempo impermanente
Sonhador incauto, estrela decadente
Acreditador que a vida inconsente
Filho menor do adjetivar

Diálogos de uma psicótica numa esplanada ao sol


Falas comigo outra vez?
Comigo ou com quem tu não vês?
Sim, porque se falas para mim
Não é princípio nem fim.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Hei de ver-te para lá
Onde não estaremos cá
Veremos quem é maioral
Larga a igreja, o bacanal
E tu, porque te enfias no meio
Não sabes que é rude, que é feio?
Que é como já nem sei bem
Estás a olhar-me como quem?
?????????????!!!!!!!!!!
Matei-te porque mereces
E, estás aqui, adoeces
E enfio-te um tiro nas trombas
Encho-te o prato de bombas
Terrorista duma treta
És feia como a careta
Controlas-me em ondas no ar
Mas vais parar, vais parar.
###################
Larga-me a mioleira,
Trolha, médico, peixeira
Palavras leva-as o vento
Branco é, galinha de Noé
Espeto-vos tiros no pé
Foste, perdeste o assento
!?#%«€&2................................

sexta-feira, abril 14, 2017

Uma dama de rubro negro


Em tempos infinitamente além
Uma dama rubra de negro vestida
Cruzou meu caminho, sempre eu de partida
E, numa voz cava, falou muito bem

O seu discurso composto de imagens
Colava-se às mentes dos pobres mortais
Em calafrios quentes, sensuais
Que prometiam eternas viagens

Dizia: “Sou uma amante muito ciosa
Que nunca abandona os seus protegidos
E se, acaso, ficam desvalidos
Redobro o meu gozo, a aura poderosa”

E eu perguntei, só por desfastio:
“Ofereces um lar, uma luz vibrante,
A felicidade mais do que um instante?
Que amor ofereces mais do que o vazio?”

Não se zangou, toda ela controlo.
“Quem me desposa vive só para mim
Porque sou o princípio, o meio e o fim
E o único erro é o ouro do tolo”

“Queres experimentar-me, assim tu bem hajas,
Sem compromissos, pelo prazer maior?”
E eu, para a afastar, olhando em redor,
Respondi: "Lamento, não gosto de gajas"
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