domingo, novembro 27, 2011

ai o tempo da bolacha araruta



Ai, o tempo da bolacha araruta!...
Os velhos, serenos, serões de província,
Os bons costumes, tirar o chapéu,
O ar tão puro, verde, florestal,
Os bonecos dos gelados e o que mais…
A Lei: mais física, menos financeira,
E os meninos sujos e descalços,
Ariscos e alegres garotos da rua,
Comendo um tubérculo em água fervida,
Olhando as estrelas por singelos tetos,
Passavam como os vultos passam – num espaço lateral.
E o espaço e o espaço-tempo
E todas as dimensões a cru numa só
Que é a diluição do encenador
Que é sempre o mesmo, muda a iluminação
Como o sol, sempre oito minutos passados
No tempo araruto, redondo e inexistente…

Imagem de: www.gourmet-at-home.com. 

domingo, novembro 20, 2011

O mosquito


Enquanto procuro ler Somerset Maugham
No esparso lapso da chuva densa
Com raios de sol entre nuvens vagas
E vagas de nuvens em Toledo e a lua
De El Greco, os casarios, a rua,
Um minucioso mosquito meneia
O ínfimo esvoaçar entre os conjuntos de letras
Sobre a capa e sobre os meus pensamentos.
Enxoto-o piamente e o mosquito não desiste –
É um mosquito ativo, sei lá se alegre, se triste
Que eu só quero que me deixe e ao fraseado longo
E o mosquito nunca para, o pequeno ser oblongo…
Tanta preocupação em poupar aquele ser!
E no entanto, no entanto, certo como factual
Sem El Greco em descrição, isento do bem e do mal
Sei que não hesitaria um instante em me comer.

Imagem de: www.sumateologica.wordpress.com (A Última Ceia, de El Greco).

quarta-feira, novembro 09, 2011

Chuva nossa de cada dia


A chuva cai como maná do agnosticismo
Na meteorologia diária e sem idade
A chuva rega o campo e a cidade
Leve nos corpos, com um toque de erotismo

Leva ou levaria as poeiras da maldade
Se assim fossem as poeiras materiais
Santas milagreiras face aos vis metais
Que temos nos altares da sociedade

E fria, embora, a chuva é invisível
Como o maná e a levitação
O transformar da água e a multiplicação
No mundo hipócrita, medroso e insensível

Algo nos cai assim sobre as cabeças
Tão banal já que nada milagroso
Liquefações do tempo misterioso
Num puzzle a que faltam muitas peças

Imagem de: http://www.telegraph.co.uk. 

terça-feira, novembro 01, 2011

Dia dos mortos


I

Uma mosca pousada sobre um espelho
Admira a beleza das suas asas e olhos vários
Ou não admira nada pois não pode
Nem sabe nada, se é nova, se é velha
E a velhice é tão subjetiva numa mosca
Que esbelta figura, que patas admiráveis
Pensaria a mosca se pensasse e descansasse
Se girasse lentamente neste mundo
E o melhor é um mata-moscas dos chineses
E um limpa-vidros no reflexo morto

II

Às portas dos cemitérios pejados
No Dia dos Mortos, entre flores e velas
Surgem sempre alguns pedintes rotos
Que só conhecem auto-lágrimas perdidas
E ignoram todas as memórias
Entre histórias contorcidas
Têm sempre famílias vastas para sustentar
E a ausência é, para eles, imediata
Sem jazigos brancos, por vezes esquecidos
Desconhecem mesmo a arte de falar
E redigem, por isso, lamúrias em pobre português

III

Havemos de viver no paraíso
Havemos de viver no paraíso
Havemos de viver no paraíso
We shall live again
No mantra de um tempo criativo
No mantra de um xamã repetitivo
No mantra de um sorriso ainda vivo
Seja vivo o que for ou o paraíso

Imagem de: www.taishimizu.com.
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