quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Verdade/Inverdade

Fazem-se as coisas por rotina
E para fugir à rotina
E voa-se, agarrados à barra das saias do vento
Fonte impermanente imitadora de pensamentos,
Inquieta e ilusória como as manhãs.
Mente-se sem mentir quando se dizem verdades
Mas, a verdade, uma única vez alguém afirmou convictamente:
"Eu sou a verdade".
E daí, quem sabe?
Acabou crucificado e essa foi, porventura, a verdade.
A minha verdade está algures,
Como um ficheiro secreto,
Uma ficção entremeada de publicidade,
Uma rotina para lhe escapar.
Tudo isso recorda-me os tempos da infância,
Quando nos castigavam por dizermos a verdade...
Todos andámos na mesma escola aproximadamente,
Todos os nossos professores
Falavam como gente,
Vestiam como gente,
Olhavam como gente,
Gesticulavam como gente
E afirmavam como gente.
Escolas de luxo? Escolas de lixo?
Ensinaram-nos a escapar ao martírio
Antes mesmo que o galo cantasse.
Incutiram-nos o valor da santa mentira branca
E garantiram-nos sermos seres à imagem de Deus...
Mas a verdade só existe nos livros sagrados
E em romances policiais...
Eu não sou a verdade.
Nada mais faço do que cantar para aves coloridas
Que me escutam e são os meus discípulos impermanentes...
Vão pelo mundo e espalhem a palavra!
Mas palavras são palavras
E a verdade só ganha dimensão
Quando conquista o mercado,
Impermanente, porque tudo o é.
E tudo isto se torna uma lengalenga tal
Que só dá vontade de jogar às escondidas ou à cabra-cega...



Imagem de www.luc.edu (tela de Jackson Pollock).

Poema de Joaquim Camarinha

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