Ode interminável
A vida é um sonho num sonho num sonho...
Pergunte-se aos deserdados
Aos descamisados
Aos desencontrados
Aos desencorajados
Aos esventrados em todos os tons arroxeados...
Pergunte-se ao Deus que não existe nas religiões
Aos Deuses de todas as regiões
Ao Deus metafórico despersonalizado
Ao cordeiro forçosamente sacrificado
De quem jorra sangue como um recurso de estilo
Se magoa, para que serve, para que existe ou não existe
Se acorda, por vezes, alegre ou triste
Se chega a compreender-se entre tanto e tanto espelho
Se por vezes se lhe adocica o sangue coalhado vermelho...
O sonho é um sonho num sonho num sonho...
Que energia tão plena de cansaço!
Passa o carro, passa o poste, passa a casa
Passa o prado, passa o rio, passa a nuvem
Passa tudo, tão imóvel, volteando
Passa o parto e o funeral avançando
E o tempo recobre tudo como um sudário invisível
Branco de todas as cores na negridão insensível...
O sonho é um sonho num sonho num sonho...
Pergunte-se ao puto pateta no seu mundo luxuoso
O que lhe é importante, o que lhe é precioso
O que é dormir numa esteira e curvar-se receoso...
Estará alguma resposta nos cães de instinto a guardar?
Estará alguma resposta nos gatos dormindo a caçar?
Alguma resposta nos Deuses que sonham aleatoriamente
E tanto sonham com pedras como congeminam gente?
Será procurar respostas um gesto inconsequente?
Um sonho num sonho num sonho num sonho...
E não há princípio nem fim.
Imagem de: http://mylifestream.net.
4 Comments:
você foi capaz de traduzir de maneira espetacular essa sensação estranha da vida que é surreal como um sonho dentro de um outro sonho!
Obrigado, Rafa, pelo comentário. De acordo com certas religiões orientais, cada universo inicia-se com o sonho de um deus que adormece e termina quando ele acorda. A minha sensação vai mais longe, como um jogo de espelhos e muito além da ideia de alguma ciência que fala na existência de dez dimensões. Se não há princípio nem fim (ou teria que haver algo, de acordo com a lógica humana, aquém e além) e se a realidade (que conheço e com a qual me dou pragmaticamente muito bem) tem efectivamentee um sentido muito rarefeito, então tudo é um sonho: do não-princípio ao não-fim, em todas as direcções imaginárias. Deus, se quisermos aplicar o termo, existe em nós, para aquém de nós e para além de nós, num infinito racionalmente inexplicável de acordo com as limitações de qualquer ser ou deus. Ou então, estou enganado. Mas acho que se trata de uma ideia que, na verdade, só pode ser mais bem expressa em linguagem poética - ou cripticamente religiosa, vá lá. Abraço.
Muito bom.
Bjs
Rosa Cruz
Olá, Rosa. Ainda bem que gostaste, pessoalmente acho que este me saiu muito bem. Boas férias.
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