quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Quem é Joaquim Camarinha? (4)

Mais uma conversazinha entre o Eu e eu...



Joaquim Camarinha: Preocupa-me a subjectividade na poesia e, consequentemente, a forma como é precebida por quem a lê...
Eu: Como assim?
JC: Preocupa-me, por exemplo, o facto de alguns leitores não lograrem compreender a ironia - que, a mim, me parece óbvia - em alguns poemas.
Eu: Perdes horas de sono por isso?
JC: Não. Felizmente, até durmo muito bem. Custa-me mesmo é a acordar.
Eu: Tem graça... Eu poderia dizer o mesmo! Não achas que dormir é uma perda de tempo?
JC: Acho o sono uma parte da vida tão importante como qualquer outra. E tendencialmente mais confortável, além do mais. Para dizer a verdade, fazem-me impressão as pessoas que queriam dias com 48 horas e que têm o hábito de soltar frases do género "Vamos à luta!".
Eu: Não poderia estar mais de acordo. Mas começaste por falar em subjectividade na poesia... Suponho que isso te impeça, a ti ou a qualquer poeta, de chegar perto do grande público...
JC: A poesia é uma linguagem muito específica. Pela sua natureza, não se pode destinar ao grande público.
Eu: Será que detecto nessas palavras algum laivo de sobranceria?
JC: Sabes muito bem que não. Quem me dera que os meus versos, tal como são, se tornassem best-sellers... Mas trata-se de uma impossibilidade. Por um lado, noto que muita gente tem dificuldade em entender claramente sequer textos, por assim dizer, perfeitamente objectivos. Por outro, a apreciação do texto poético pressupõe um tipo de sensibilidade e abertura que não me parece encontrar-se na generalidade das pessoas.
Eu: Não?
JC: Infelizmente, penso que existe, no máximo, auto-sensibilidade. Daí que o que é pop tenha maior receptividade... Torna-se mais fácil a identificação com um objecto pop, que toque as pessoas no seu âmago, mas de forma mais superficial, menos complexa. Além do que denominei de auto-sensibilidade, existe ainda uma certa sensibilidade momentânea face a desgraças longínquas e pelas quais pouco podemos fazer. Com uma pequena dose de cinismo diria, no entanto, que se trata de algo que alivia o complexo de culpa incentivado pelas sociedades judaico-cristãs.
Eu: Um complexo de culpa generalizado, sentido por todos nós?
JC: Não falo de mim. Trata-se de uma generalidade. Enquanto se perde tempo a sentir culpa desnecessária, não se constrói. Sabes bem até que ponto é comum sofrer por alguém que se encontra do outro lado do mundo, esquecendo, no entanto, quem passa fome ao nosso lado. Sabes que é assim...
Eu: Achas que se trata de um comportamento hipócrita?
JC: Hipócrita, talvez. Mas sem culpa acoplada... E, aliás, a culpa é, uma vez mais, uma noção auto-destrutiva e controladora das nossas sociedades. É normal. Humano. As pessoas fazem menos sentido do que se propagandeia e não costumam, na verdade, planificar os seus passos ao milímetro.
Eu: Bom, mas que tipo de sensibilidade exige a poesia aos seus leitores?
JC: A poesia - e trata-se meramente do meu ponto de vista - exige uma procura apaixonada do que está dentro e fora de nós. O amor da estética. A capacidade de empatizar e fundir-se, nomeadamente com quem cria. E, naturalmente, inteligência semântica. E prática dessa inteligência.
Eu: Quem assim te ler, pode considerar-te demasiadamente auto-convicto...
JC: Não sou nada. Mas sou directo. Não faço grandes filmes para ninguém, ainda que isso me roube todo o sex-appeal ou lá o que roubar... What you see is what you get. Desacredito profundamente da bondade de se enganar os outros sistematicamente. É desse tipo de atitude que nasce grande parte das guerras.
Eu: Uma vez mais, devo concordar. Tens a certeza de que és um heterónimo e não uma espécie de pseudónimo arrevesado?
JC: Claro. As nossas vidas são diferentes, como é diferente a nossa estética poética. Suficientemente diferente, pelo menos. Desculpa se te chego a obrigar a algum esforço para não escreveres à minha maneira! A verdade é que a nossa fractura não é surreal. Não é, direi eu, técnica. Penso que se trata de uma fractura realista...
Eu: Não sei se teria paciência para viver com um heterónimo demasiadamente diferente de mim...
JC: Digo o mesmo e começo a achar-nos demasiadamente concordantes... Já pensaste em divulgar os teus poemas na net?
Eu: Por acaso, depois de muito ter hesitado, sim. Não sei se construa um site ou um blog. Sequer se hei-de construir o que quer que seja!
JC: Sabes que poderás contar comigo para te promover e te oferecer um link...
Eu: Agradeço-te, claro.
JC: Não faço mais do que a minha obrigação.



Foto obtida pelo Eu.

5 Comments:

Blogger Lila Magritte said...

La poesía es subjetiva. Afortunadamente requiere ser leída y comprendida de un modo distinto al acostumbrado proceso de intercambio de información.
La poesía es un espacio de libertad y no todos buscan la libertad. Es demasiada responsabilidad y es necesario reeducarse para dialogar con ella. Estoy de acuerdo contigo en que la gente, en su mayoría, no capta la ironía, el humor negro, el desafío en las paradojas de la escritura y participar del sentido profundo de la creación... y sus tormentos. eso es en el arte en general.
Y todo está pensado para la comprensión de las mayorías y la felicidad de las minorías.
La palabra es un "poder" y para algunos se vuelve peligrosa.

Me gusta mucho tu blog.
Beijos.

3:23 da tarde  
Blogger Jorge Simões said...

Muchas gracias y un buen fin de semana (asi se dice?). Besos.

4:25 da tarde  
Blogger Jorge Simões said...

:)
Beijinhos recebidos e beijinhos enviados. Bom fim de semana.

7:51 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pensei que os olhos eram o espelho da alma... Que poeta és tu que escondes a tua própria alma?

3:18 da tarde  
Blogger Jorge Simões said...

Ui, esta traz mesmo água no bico e sinto que estou a ser provocado! Mas sem resultados. O Eu olha as pessoas de frente, tão de frente que incomoda algumas. O Joaquim Camarinha - e aqui o meu nome é Joaquim Camarinha - olha as pessoas muito de frente através das palavras. A estética cobre-lhe o rosto. Ele é um heterónimo, além de despertar a curiosidade do leitor desse modo. O Eu olha-te de frente. O Joaquim Camarinha fala-te de frente das coisas que te incomodam. Se calhar por serem verdades profundas...
Só uma novidade, para terminar. "Os olhos são o espelho da alma" não passaa de um ditado popular que vale o que vale e não mais. A alma humana é imprescrutável por muito complexa e mutável, como o próprio universos de que faz parte. Portanto, peço-te, caro(a) anonymous, não me provoques com frases feitas.
Quando o Eu decidir (se lhe apetecer) mostrar a sua poesia diferente na net, ver-lhe-ás, certamente o olhar. Ainda que o olhar congelado das fotos. Eu, Joaquim Camarinha, tenho esta postura. E se não me vês a alma é porque não lês as minhas palavras. ;)

3:45 da tarde  

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