segunda-feira, julho 31, 2006

Les gens querem ser o um


Les gens existent dans des cercles,
Des triangles, des carrés...
Tous ceux qui sont nés,
Les cadavres des décédés...
Ils s'habillent de couvercles,
Ceux qui passent, les passés...
C'est comme un air electronique,
Presque vaguement robotique.

sábado, julho 29, 2006

Unhas pintadas


Todas têm unhas pintadas
De cores diversas, tonalidades várias...
Vinte tons por cabeça imprescrutável
Arranham e consolam nuas epidermes.
Cabelos de cores e tonalidades várias
Erguem-se à música discreta que passa.
São dedos moventes, actuantes,
Dedos como dados, imprevisíveis,
Unhas que jogam com tons e figuras
Que o vestuário prolonga levemente
Em levitações desnudantes, contínuas,
Rumo ao caos criador e colorido
De dedos, olhares, lábios, movimentos...


Imagem original de http://news.bbc.co.uk.

sexta-feira, julho 28, 2006

Triste secura meridional/Nazaré

Como até os poetas têm direito e necessidade, tirei uns diazitos de diferença e fui dar uma voltinha por Portugal. Desses dias resultaram dois poemas com uma tonalidade um quanto clássica. O primeiro, chama-se Triste Secura Meridional - um soneto, com tudo exactamente no sítio, decassilábico, ABBA ABBA CDE CDE e uma finalização, para que ninguém possa olhar com olhos de carneiro mal morto para o que escrevo e afirmar "o meu filho também faria isso"... Que diabo, sem retirar mérito e capacidade aos filhos todos, convém aprender e praticar antes de se fazer! ;) O segundo, três quadras decassilábicas, chama-se Nazaré. Dentro de momentos, regressaremos ao verso livre... O que realmente me interessa é que me agradem e vos agradem.


A triste secura meridional
Explode sobre a erva entontecida,
Pelas cores da terra amarelecida
E pelo vento raso, diagonal.

Ao fundo da planície adormecida,
Embalada por vozes e buzinas,
Irrompem as cidades, pequeninas,
Onde fervilha o caldeirão da vida.

E sorvemos o caldo português,
A espátula na pátria surreal,
Tão pálida no tom ocre do ar...

O suor sobe em gotas pela tez
Morena da planura tão carnal,
Capturada no molde do olhar.



Escutam-me esse silêncio milenar
De sete véus, céus, saias de negrume,
Mercadores de sóis falsos frente ao mar
Que tudo esconde, menos o azedume.

Surgem rostos, Amália, a tradição,
A quilha de barquinhos, anjos, santos,
Talhados em linhas falsas na mão
Que agonizam, lentas, em desencantos.

Apazigua a minha alma coberta
De altos cúmulos de saudade feitos,
Nossa Senhora desta rota incerta
Que amamentas o caos com os teus peitos!



Imagens (a cores) de www.plainscents.com e www.planet-interkom.de.

sábado, julho 22, 2006

A crítica


Criticava sagazmente a estética da saudade...
Da saudade, nostalgia e do amanhã também.
A tristeza não servia. Nem a alegria.
As interrogações só sendo pontuações.
Com o saber das leituras, seguia e descodificava...
Só não decifrava o que lhe desagradava.


Imagem de www.miladus.org.

sexta-feira, julho 21, 2006

O sol, oito minutos atrás


O sol acalenta-me oito minutos atrás
Na bela pinacoteca que é o cosmos,
O cosmos inteiro, um Disney Park revisitado,
E a cabeça, entupida de imagens anacrónicas!
Haverá um Além real para as aves migratórias?
Os vivos, os mortos e os mortos-vivos,
Todos os pensamentos ocultados em urnas de chumbo,
Todos nós, e vós, e os outros, livres no negrume vago...
Todos, revisitando-se no calor arrefecido dos raios de sol,
Do sol e dos seus raios eternamente prisioneiros do passado.


Imagem de www.erenouvelle.com.

terça-feira, julho 18, 2006

Historinha silábica recorrente


No início é a luz!
Vem a expressão no olhar que corta.
Vem a entoação que traz o desconforto.
Vem a hora estagnada com a conversa morta.
Vem a insatisfação instintiva e o desejo torto.
Vem a contrariedade insuportável de se desejar.
Vem o que não vem, não é, não foi, o amordaçar.
No fim é o caos...


Imagem de www.markhalsey.com (óleo em tela de Mark Halsey).

sexta-feira, julho 14, 2006

Gravidade de riscos


Existir no fundo da cadeia alimentar,
Não sendo sequer pequeno e virulento,
Não temer cães nem lobos, porcos sequer,
Mas saber-se devorado gota a gota, que canícula!
Tenho sono, dores musculares e enjoos
E a consciência da perfeita inutilidade
De vida alguma nascer da vida assim.


Imagem de http://users.raketnet.nl.

quarta-feira, julho 12, 2006

Verde e vermelho


Verde e vermelho pelas janelas...
Uma a cair, salva-a a varanda.
Heróica, valente, igrégia, sem par!
Verde e vermelho e o sol a corar,
Vergasta estival contra os telhados
De rubra textura manchados, manchados
De verde e vermelho pelas janelas
E a névoa perene, o tântalo delas...

terça-feira, julho 11, 2006

Poema rápido composto ao volante


Se sou feliz... Far-me-ias rir!
A profundidade do termo perde-se no fundo
Dos poços esgotados dos desertos.
Sou certamente mais feliz
Que os que fazem a festa
E guardam sombras no olhar.
Sou certamente mais feliz
Que os que não fazem festas
E colam sombras aos olhares.
E mesmo quando escrevo textos dramáticos,
Estou a encontrar-me; não a perder-me.


Imagem de www.geh.org (foto de Danny Lyon - 1962).

quinta-feira, julho 06, 2006

Sombra e luz nº 2


As fábricas, as salas apertadas das empresas,
Os camiões a diesel, quartéis e salas de estudo,
Respiram todos a luz artificial das hidroeléctricas
Onde os peixes mais resistentes não navegam,
Das termonucleares cónicas, reforçadas,
Onde as bactérias lutam por nano-espaços.
No sol imenso brilha um céu azul
Que vibra nas folhagens de tantos tons,
A mais serena e afinada orquestra natural.
Porque falam em anjos no céu, com harpas e violinos,
Quando o céu toca, tão óbvia e levemente,
Até o mais baixo dos passeios de cimento,
Penetrando mesmo as fábricas, salas de empresas
E todos os locais onde a sombra derrama a ilusão?


Imagem de www.neiu.edu.

quarta-feira, julho 05, 2006

Telas naïf


Aquela rapariga debitando risos, sins e nãos
Ao telemóvel e o rapaz bicando-a como um beija-flor
Alucinado, em pleno cio natural, tão verde e
Ela há-de querer uma pensão alimentar enquanto
Lhe mostra SMS engraçados e fala e fala e
Pondera instintivamente os genes, o imponderável.
Eis-me rodeado de dor de cabeça e telas naïf...

terça-feira, julho 04, 2006

A vérmina


Sente o cheiro pútrido das lixeiras do Verão frio:
Sente a vérmina, feliz, entre os despojos do dia!
Do nariz até ao cérebro, instalados no conforto,
Os bichos perfuram a massa, engenheiros neuronais.
Mexem-te aqui para sorrires. Tocam-te ali para chorares.
Desligam-te com sapiência os centros de observação.
Zangam-te quando o entendem, dão-te um boné e um casse-tête.
Cegam-te e admiras a sua perfeita sincronia...
A vérmina nossa, multiplicada em cada dia.


Imagem de www.bryce-alive.net.

segunda-feira, julho 03, 2006

Cansaço universal


Há anos que o sol se fundiu.
A lua não mora no fundo da tarde.
Estrelas? Tristes fornalhas estéreis!
- gemem o homem e a raposa.
Algures, em tantos, tantos simultâneos,
Fazem-se versos, serenatas, danças coladas,
Brinda-se com piñas coladas ao crepúsculo...
Tragam-me um copo de água disfarçado de aguardente!
Carrego um triste cansaço, uma fornalha,
Estéril, estéril, Deus me valha!
Mas ele corre além dos brilhos,
Das estrelas apagadas, cometas, quartos minguantes...
Nunca estrela alguma o viu,
Nunca as que o tempo apagou,
As que morrem no olhar,
As sanguessugas eternas
Dos brilhos por realizar!


Imagem de anã branca de www.linux-magazin.de.

sábado, julho 01, 2006

O vazio


Onde o homem de fé fica cego pela luz,
O homem descrente só vislumbra escuridão.
Onde o homem de fé crê achar o absoluto,
O homem descrente só conhece o vácuo triste.
Onde o homem de fé antevê pradarias celestiais,
O homem descrente vê estrelas inalcançáveis, letais.
O que tem o homem de fé, que o faz sorrir por entre o caos?
Queria apenas um reflexo de um reflexo do sorriso
E uma palavra de Deus, uma sílaba, não mais...
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